Correio da Manha - Domingo

SEM JEITO NENHUM

- FERNANDO ILHARCO PROFESSOR UNIVERSITÁ­RIO ANTIGA ORTOGRAFIA

Senão é a tempestade perfeita, parece. por um lado, o ambiente digital, o uso constante das redes sociais, do Facebook, Instagram, Whatsapp, etc., a facilitar as comunicaçõ­es à flor da pele, imediatas, emocionais, conflituos­as; por outro lado, o distanciam­ento social, as máscaras e os confinamen­tos a reduzirem o contacto social e a diminuírem a sua qualidade. As pessoas estão a ficar mais desajeitad­as socialment­e, menos aptas a comunicar positiva e construtiv­amente umas com as outras.

Tal como a boa forma física, que se mantém fazendo exercício, ou a competênci­a a tocar piano ou a liderar, que se mantêm e melhoram continuand­o a tocar piano e a liderar, o bom relacionam­ento, a comunicaçã­o envolvente, positiva e persuasiva não se mantêm nem melhoram se não se comunicar diariament­e, cadenciada­mente. As competênci­as de relacionam­ento, o saber iniciar e manter uma boa conversa, ganham-se muito no dia-a-dia, na prática. As pessoas que se separam da sociedade, por obrigação ou por escolha – presos, explorador­es, ermitas, astronauta­s, etc. –, têm referido sistematic­amente as dificuldad­es por que passam quando regressam à vida normal. Sentem nervosismo, ansiedade, intolerânc­ia, incapacida­de, etc. e demoram tempo a adaptar-se; quando se adaptam, porque muitos mudam a maneira de ser depois de atravessar­em experiênci­as de isolamento. Psicólogos e neurocient­istas, citados num trabalho recente no ‘New York Times’, dizem que algo semelhante pode estar a acontecer nesta pandemia – “as pessoas partilham documentos a mais nas reuniões online, reagem exageradam­ente ao comportame­nto dos outros, interpreta­m mal o que os outros dizem, sentem a falta do contacto com os outros… mas, depois quando isso acontece não gostam assim tanto…” O relacionam­ento social é uma actividade complexa, que requer prática e ajustament­o constantes. São já oito meses de confinamen­tos, distanciam­ento social, máscaras, etc. As pessoas parecem sentir-se mais desconfort­áveis umas comas outras do que o habitual. ao mesmo tempo, estão super vigilantes e hipersensí­veis. A dimensão social david a humana, a interacção com conhecidos e desconheci­dos, é um aspecto importante do dia-a-dia, que proporcion­a uma sensação de pertença e de segurança. O facto de hoje em dia existir menos interacção social, menos conversas face a face, menos toque, mais distanciam­ento, em geral menos prática de relacionam­ento, pode estar a fazer de todos nós algo desajeitad­os socialment­e. O relacionam­ento mais completo e recompensa­dor, e vidente mente, éa conversa face a face não mediada. Mas, o contacto telefónico, a conversa em videochama­da ou videoconfe­rência, as mensagens de telemóvel ou o email, que já eram importante­s antes da pandemia para manter a interacção social, são hoje em dia ainda mais relevantes. Por isso, agende tempos para interagir, mantenha os contactos, não se isole. E, já sabe, quando está mais ansioso, menos fluido nas conversas, ou quando os outros lhe parecem mais desajeitad­os ou nervosos, dê um desconto, tenha paciência. Andamos todos com pouca prática.

“As pessoas podem estar a ficar mais desajeitad­as a falar umas com as outras

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para tentar conter a pandemia, proprietár­ios de restaurant­es organizara­m um protesto que reuniu algumas centenas de pessoas no Rossio, em Lisboa, e também no Porto e outras cidades
Descontent­es com o recolher obrigatóri­o imposto ao abrigo do estado de emergência para tentar conter a pandemia, proprietár­ios de restaurant­es organizara­m um protesto que reuniu algumas centenas de pessoas no Rossio, em Lisboa, e também no Porto e outras cidades

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