AMISH, CIGANOS E CATÓLICOS
Suspeito que, por estarem em causa direitos fundamentais, o caso dos alunos de Famalicão acabará no Constitucional
Cada país tem um passado diferente, o que se reflete na forma como estão organizados os sistemas de ensino. Naqueles com um passado jacobino, o ensino tende a ser doutrinário; nos que possuem travões ao poder, a liberdade de expressão tende a ser o valor supremo. Dou um exemplo, o da comunidade amish dos EUA, um grupo cristão ultraconservador, cujas origens remontam aos ana-batistas alemães. Instalados na Pensilvânia desde o século XVIII, invocaram motivos religiosos para recusar a frequência dos filhos das escolas públicas. Neste caso, que aliás me arrepia, são os amish que financiam as escolas e que determinam as matérias lecionadas. Em Portugal, o Estado foi sempre omnipotente. A Carta Constitucional de 1826 afirmava que, por fazer parte dos direitos civis e políticos, a instrução primária deveria ser assegurada a todos os cidadãos. Claro que nem o poder político tinha dinheiro para montar um tal sistema nem os camponeses interesse em prescindir do trabalho infantil. Em 1900, apenas 16% das crianças iam à escola. Foi assim que, no meu país, se viveu durante séculos.
Não se pense que o recente caso do pai de Vila Nova de Famalicão é único. Em 2016, uma rapariga de 15 anos que, no 6º ano da escolaridade, tinha faltado sistematicamente às aulas, alegou que, sendo cigana, queria seguir as tradições do grupo. Alertada, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) ouviu a família, a qual invocou o facto de a “honra” cigana se centrar na manutenção da virgindade das raparigas até ao casamento, pelo que a não queriam na escola. O caso acabou em tribunal, com o Ministério Público a pedir o arquivamento do processo e a juíza Joana Gomes a elaborar uma sentença na qual acedia aos desejos da família. Não estou de acordo.
Tudo isto vem a propósito do caso de dois alunos de uma escola em Vila Nova de Famalicão. Em outubro de 2018, o pai, que claramente tem recursos diferentes dos da da família cigana, escreveu uma carta à escola, declarando não autorizar os filhos a frequentar a disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, por nela se falar de educação sexual, matéria que considerava dever ser tratada no interior da família. Em janeiro deste ano, o secretário de Estado da Educação fez saber que, se o pai queria que os filhos transitassem de ano, teriam de frequentar um “Plano de Recuperação das Aprendizagens”, o que ele recusou, pelo que, em junho, a escola decidiu chumbar os alunos. Invocando o artº 36 da Constituição, o pai avançou para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, em julho, suspendeu a decisão da escola. Uma vez que vivemos num Estado de Direito, mesmo que delas não gostemos, as leis são para ser cumpridas. Suspeito que, por estarem em causa direitos fundamentais, o assunto acabará no Tribunal Constitucional.
“Os amish, grupo cristão ultra conservador do seu a, invocam motivos religiosos para recusar que os filhos frequentem as escolas públicas”