Este Natal será certamente diferente,
em virtude das restrições impostas pela pandemia. Mas como importa manter, ainda assim, a tradição, a ‘Domingo’ ajuda-o a escolher o melhor presente
A minha sobrinha Maria Luísa, a eleitora esquerdista da família, achaque este ano estou demasiado preocupado com o Natal, tema que mereceu vários parágrafos nas três crónicas anteriores – quando Dezembro só agora começa. Ela conhece como ninguém o meu calendário: o final de Novembro é ocupado com observações meteorológicas e só na segunda semana de Dezembro costumo acompanhar o fervilhar de Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo – ocupada em planear e ditar regras sobre as ocorrências natalícias, antes que cheguem os convidados e as visitas da época.
A falar verdade, Dona Elaine ocupa-se com o Natal a partir da última semana da “época balnear” – e ocupa-se da “época balnear” a partir da semana de Reis, quando decreta a interdição do bolo-rei e das rabanadas, que já pertencem ao passado. Ela conhece a família. Se não fosse ela, a casa de Moledo seria um acampamento durante os meses de praia e uma fortaleza desarrumada no último mês do ano. É extraordinária a nossa capacidade de criar desorganização em tudo o que pode estar organizado, e de adiar para o dia derradeiro uma decisão que podia ser tomada meses antes. Avessos ao excessivo peso da lei e da ordem, por acreditarem que a natureza se orienta por si mesma e sempre no mesmo sentido, os Homem sempre precisaram de alguém que tomasse as rédeas da civilização doméstica. Primeiro, havia a presença tutelar da Tia Benedita, a matriarca miguelista da família que, do seu casarão de granito e trepadeiras, orientava o calendário dos eventos e rituais a cumprir: a Páscoa (e a sua peregrinação pessoal a Braga, transportada no vistoso Alfa Romeo Villa d’este do Tio Alberto, como uma dama em visita à corte), o almoço anual em Ponte de Lima (sempre em Agosto, debaixo da canícula minhota), o Natal repartido por várias casas (e finalizado, no dia de Ano Novo, com o habitual almoço da Tia Henriqueta em Vila Praia de Âncora) – e, finalmente, a 26 de Outubro, apenas para um grupo restrito e às vezes folião, o jantar de aniversário do senhor Dom Miguel. Depois, quando o marco geodésico da família passou a ser este eremitério de Moledo, o calendário ficou entregue aos cuidados de Dona Elaine. Republicana e filha de emigrantes, crente nas virtudes da disciplina e do cumprimento de horários, Dona Elaine não é sensível à “beleza do improviso” nem à ideia de que se não deve interferir no Livro da Natureza. Para ela, o Natal existe porque existem o bacalhau, as filhoses, as rabanadas, o polvo, o cabrito e “o vinho do Porto do senhor Doutor” – e talvez a travessa de arroz doce de Maria Luísa ou o interminável resto de aguardente de Monção que o Doutor Paulo agradece como uma contribuição para a luta contra o vírus e o liberalismo no Alto Minho.
“É extraordinária a nossa capacidade de criar desorganização