A maioria das vacinas é transportada
A vacina do tétano é destruída pela congelação e a BCG pela luz. A da gripe é sensível ao calor
a uma temperatura entre 2 e 8 graus Celsius, num circuito que requer monitorização permanente e que não é adequado a algumas das vacinas para a Covid-19
“Não pode ser um mero decalque do habitual ANA P. BARROSO, PROFESSORA
Todos os anos levava para casa as vacinas da gripe e dizia à minha mulher para guardar no sítio do costume.” Em casa de Rui Rolo, antigo diretor-geral da multinacional UCB Pharma, o sítio do costume era a gaveta mais em baixo do frigorífico, junto aos legumes, onde a temperatura se mantém entre os dois e os oito graus Celsius, adequada para guardar a maior parte das vacinas. Rui Rolo, que durante muitos anos, acompanhou o transporte, a distribuição e o armazenamento de vários tipos de vacinas, sobretudo a da gripe e a da hepatite B, explica que o mais importante deste processo é a qualidade do produto que chega ao utente. O segredo está na rede que é preciso estar instalada, a partir do momento em que uma vacina é libertada para o mercado. Idêntica rede tem de estar a postos para a vacina que vai atacar o novo coronavírus, embora com características diferentes, exigindo outro tipo de equipamentos e fazendo prever um grande desafio logístico.
Em 2021, Portugal vai receber, pelo menos, 16 milhões de vacinas para a Covid-19, que servirão para imunizar oito milhões de pessoas - cada uma receberá duas doses. A aquisição está a ser feita pela Comissão Europeia, que já celebrou contratos para a compra de seis vacinas e tem em curso negociações com outras farmacêuticas. Já foram adquiridas cerca de 1,4 mil milhões de doses em nome dos 27 Estados-membros da União Europeia: Astrazeneca (300 milhões), Sanofi-GSK (300 milhões), Johnson & Johnson (200 milhões), Biontech e Pfizer (200 milhões), Curevac (225 milhões) e Moderna (160 milhões). A expectativa é que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) autorize a comercialização das primeiras vacinas na segunda metade de dezembro e que comecem a chegar a Portugal logo em janeiro. As vacinas adquiridas pela multinacional de Rui Rolo, quando este estava no ativo, vinham da fábrica da Sanofi, em Lyon. “Eram transportadas em dois camiões frigoríficos, com dois motoristas cada, por autoestrada, e traziam 500 mil vacinas de cada vez. Chegavam ao armazém, em Lisboa, dois dias depois. Demoravam menos tempo do que se viessem de avião e era mais barato por via terrestre.
Rui Rolo, que também pertenceu aos órgãos sociais da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), explica que a responsabilidade de pôr a mercadoria em Portugal é, normalmente, do fabricante, que tem à sua disposição uma rede de operadores logísticos que a transportam e armazenam.
Cuidados no transporte Fundamental nesta operação é a manutenção da temperatura das vacinas, como refere Miguel Domingos, da Universidade do Algarve, na sua tese de mestrado em Ciências Farmacêuticas. Citando o manual da rede de frio da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Miguel Domingos diz que “o transporte deve ser efetuado rapidamente”, “as caixas de esferovite ou malas térmicas”, onde são colocadas as vacinas “devem ser previamente arrefecidas”, “os ter
“Tem de estar tudo definido para não haver improvisos RICARDO B. LEITE, MÉDICO
moacumuladores devem ser congelados pelo menos durante 24 horas antes da utilização e cobrir todas as face da caixa/mala”. Os acumuladores térmicos são a única fonte de frio para a conservação das vacinas sempre que estas são colocadas em caixas ou malas térmicas, visando a sua deslocação.
De acordo com as normas, são as embalagens que já estiveram fora do frigorífico que devem ser retiradas em primeiro lugar, seguidas das embalagens com prazo de validade mais curto. A arrumação das vacinas nas caixas ou malas térmicas deve garantir, por exemplo, que a vacina contra a tuberculose (BCG) e a vacina trivalente contra o sarampo, parotidite e rubéola (VASPR) estejam na zona mais fria, junto aos termo acumuladores. Já a vacina contra a difteria, tétano e tosse convulsa (DTPA), a vacina contra o meningococo do grupo C (Menc); a vacina contra a hepatite B (VHB) e a vacina inativada contra a poliomielite (VIP) devem ser colocadas na zona central. Todas as caixas devem ter monitorização da temperatura. As viaturas de transporte devem evitar estacionar ao sol.
Na sua dissertação, Miguel Domingos, que agora é diretor técnico de uma farmácia em Olhão, alerta para o perigo da quebra da rede de frio durante o transporte e armazenamento, caso as vacinas sejam expostas a temperaturas fora do intervalo 2-8 graus Celsius. Algumas vacinas, como adahep ati teBeavaci na contra a difteria e o tétano são destruídas pela congelação; já a BCG e a da febre amarela, por exemplo, são destruídas