TUDO ISTO É DEMOCRACIA?
Noite dentro, escuta um velho fado pela voz intensa de Amália. “Tudo isto existe/ tudo isto é triste/ tudo isto é fado!” Está confinado em casa. Já leu os jornais, escutou as rádios e as televisões. Não consegue dormir, está cheio de dúvidas, o que lhe dá para cogitar sobre os novos tempos. Dúvidas muito práticas em tempos de pandemia. Baralhado, obriga-se a fazer perguntas. Afinal, qual é a diferença entre calamidade e emergência? Apenas estados (legais) de alma dos governantes?! E os mandantes e os mandados? Devem preocupar-me mais com a economia ou com a saúde e o SNS? E os privados, já deviam ter sido chamados para nos tratarem da saúde? E o número de doentes e de profissionais nos hospitais? Os bastonários de médicos e enfermeiros dizem uma coisa, a ministra e o Governo dizem outra: em quem devo acreditar? E o país dividido em 4 cores de perigosidade: o que posso ou não fazer dentro deste arco-íris geográfico? E os dinheiros da Europa? Vêm ou não vêm? E como é que vão ser distribuídos? E a vacina? Vem já em Janeiro, como promete a ministra? E qual será a melhor vacina? A inglesa? a americana? a chinesa? E qual a prioridade na vacinação dos grupos de risco? Os velhos? Os diabéticos? Os profissionais de saúde? E haverá vacinas para todos? E o Orçamento do PS? O Bloco não aceita, o PCP aceita assim-assim, o PSD finge que não aceita: porque é que não se despacham? E as máscaras? Quais são as melhores? E afinal, o que é mais perigoso: ir ao restaurante ou ao ginásio? E os lares? E as prisões? O que é que se passa exactamente lá dentro? E depois, a tristeza do confinamento e o desespero de quem vê desaparecer os seus por conta de um vírus invisível.
Em matéria de análises, críticas e opiniões, há gurus para tudo e para todos. Costa, com insónias, não sabe para onde se virar. Para manterem a ideia de que há Oposição em Portugal, Rio vai dando a sua bicada, Catarina metendo a sua colherada, Jerónimo zurzindo a sua espadeirada, Ventura inventando a sua estocada. Marcelo, com espírito de nadador-salvador, invoca o supremo interesse da Nação, de manhã até à noite. Cada político, cada partido, cada constitucionalista, cada virologista, cada especialista, cada comentador, todos arvoram a sua perspectiva da crise. Ou antes, cada um tem a sua mania. Soluções práticas? Não se vislumbram. Na verdade, Portugal faz navegação à vista num estado natural de emergência, uma situação onde a Vida, a Liberdade, a Saúde, a Propriedade, o Salário e até o Meio Ambiente enfrentam uma ameaça imediata. Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é o Fado dos portugueses. E será que tudo isto é Democracia? É. E será que alguém se entende? Não.
ANTIGA ORTOGRAFIA
Navegação à vista num estado natural de emergência