“DUAS HORAS PARA ATRAVESSAR O RIO COM CROCODILOS À ESPREITA”
A aventura para comer ostras e fugir da ração de combate podia ter acabado mal quando o frágil barco a remos começou a meter água
Cheguei à Guiné no dia 28 de setembro de 1970. Mal desembarcámos do navio `Uíge', metemo-nos em lanchas com destino a Bolama, onde estivemos cerca de um mês, para que a companhia que íamos render deixasse o aquartelamento. Chegámos a Nova Sintra no fim de outubro e ali ficámos até ao fim da comissão. Eu era condutor e só saía para o mato para integrar colunas de reabastecimento. No total fiz 98 colunas, sempre para os mesmos destinos, mas havia uma que metia muito medo a toda a gente. Era a de S. João e tínhamos de passar a mata da Fulacunda, muito extensa e fechada, ideal para o inimigo atacar. Só ficávamos descansados quando ouvíamos os macacos nas árvores. Quando a macacada não se ouvia, até os cabelinhos se punham em pé. A última coluna que fiz foi precisamente para S. João, faltavam 15 dias para regressar. Eu transportava bidões de gasolina e gasóleo, atrás de mim vinha uma viatura com granadas. Uma carga terrível. A coluna tinha mais de um quilómetro e era composta por seis carros, separados entre si por uma distância de 200 metros. À nossa frente ia sempre um pelotão, a picar a estrada à procura de minas, dois homens em cada trilho. Entre cada carro seguiam mais dois operacionais. Só de pensar que estávamos quase em casa, mas que ainda seguíamos com uma carga daquelas... não descansei enquanto não vi o aquartelamento. Demorámos cerca de seis horas para fazer uns 18 quilómetros.
Sempre que íamos a S. João só regressávamos no dia seguinte. Quando havia hipótese, dávamos um salto a Bolama, que era só atravessar o rio, para comer ostras e beber cerveja. Íamos cinco ou seis num barquinho, tipo jangada, e, um dia, o barco começou a meter água. Já pensava que íamos ser o pequeno-almoço dos crocodilos. Uns a remar para a esquerda, outros para a direita, demorámos duas horas a atravessar o rio, mas lá comemos as ostras.
Como passávamos muito tempo a comer ração, de vez em quando íamos à pesca. Mandávamos duas granadas ao rio e apanhávamos uns 200 kg de peixe. Arranjávamos o peixinho para todo o pessoal, grelhávamos e era um petisco, com uma garrafinha de Casal Garcia.
Para reabastecer, íamos a Lala, uma baía a uns 10 km do aquartelamento. Descarregávamos as caixas, que vinham nas lanchas da Marinha, e desviávamos algumas. Quando a água chegava ao pescoço dos mais pequenos, dávamos um empurrão, as caixas caíam na água e molhavam-se. Como aquilo vinha tudo a granel, cerveja, whisky, e não havia controlo naquela fase do transporte, dava para desviar algumas. Depois, festejávamos. Regressei, de avião, a 17 de setembro de 1972.
Só ficávamos descansados quando ouvíamos os macacos