Correio da Manha - Domingo

A CIDADE CHINESA DE WUHAN GANHOU DIREITO A FIGURAR NOS LIVROS DE HISTÓRIA

China erradicou surtos e testa milhões de pessoas. Portuguese­s voltam ao “sítio mais seguro do mundo”

- FERNANDO MADAÍL TEXTO

COMO O EPICENTRO DA PANDEMIA QUE DITOU O FIM DO MUNDO COMO O CONHECÍAMO­S. TUDO POR CAUSA DO NOVO CORONAVÍRU­S QUE DALI PARTIU PARA DAR ORIGEM À DOENÇA BATIZADA COVID-19, E QUE, PASSADO UM ANO, CONTINUA A MATAR E A DESTROÇAR AS ATIVIDADES ECONÓMICAS NOS QUATRO CANTOS DA TERRA. MAS AS AUTORIDADE­S LOCAIS E OS HABITANTES GARANTEM QUE, HOJE, WUHAN É “O SÍTIO MAIS SEGURO DO MUNDO”

Houve um] confinamen­to rigoroso, bairro a bairro JOSÉ M. ESTEVES, MÉDICO

Máscara obrigatóri­a, beijos proibidos – ninguém suspeitava, no dia 17 de novembro de 2019, que aquele homem internado com uma pneumonia viral desconheci­da, no Hospital Central de Wuhan (a capital da província chinesa de Hubei), e que se convencion­ou ser o ‘paciente zero’ da Covid-19, iria originar uma brutal revolução nos costumes do planeta. O vírus deu a volta ao mundo, cancelou a Páscoa e o Ramadão, obrigou a adiar os Jogos Olímpicos e ‘derrotou’ Donald Trump. Mas, ao contrário do que sucede ainda na generalida­de dos países, na pragmática China, após o apertado cordão sanitário àquela província, as imagens e os testemunho­s que chegam agora do que foi o epicentro da pandemia dão conta de um quotidiano com as ruas cheias de gente, os mercados repletos, as discotecas abertas.

Uma reportagem do ‘The New York Times’, publicada a 23 de agosto, mostrava uma festa numa piscina em Wuhan, com Liu, uma das participan­tes, a declarar que se sentia tão “relaxada e livre” como se estivesse de férias na praia – e concluía: “Para ser sincera, quase me esqueci da epidemia.” Alguns dos 20 portuguese­s, repatriado­s a 2 de fevereiro, também estão a regressar. O treinador Miguel Moreira (antigo guarda-redes do Paços de Ferreira, Varzim e Mafra e que trabalha numa academia de futebol da cidade) declarou à agência Lusa que, neste momento, “[estão] no sítio mais seguro do mundo”.

Confinar a `Chicago da China'

Mas, no início, a progressão foi de tal forma rápida que, a 31 de dezembro, já estavam internadas 266 pessoas com os mesmos sintomas: febre, arrepios, dores no corpo – e, no dia seguinte, eram 381. Não bastava encerrar o mercado de marisco de Huanan Wholesale, onde também se vendiam cobras, morcegos, pangolins e outros animais vivos, que poderão ter estado na origem do novo coronavíru­s. Numa operação radical, sem paralelo na História da Medicina Moderna, a 23 de janeiro, as autoridade­s de Pequim isolaram o local de origem da doença, colocando uma espécie de redoma sobre os cerca de 11 milhões de habitantes de Wuhan, também conhecida como a ‘Chicago da China’ – terceira universida­de mais importante do país, relevante na área financeira, centro logístico na rede de transporte­s nacionais, indústria tradiciona­l e de alta tecnologia, parques de desenvolvi­mento científico e institutos de pesquisa, empresas do setor automóvel e do farmacêuti­co, de tecnologia de eficiência energética e de desenvolvi­mento de novos materiais.

Durante mais de dois meses (76 dias!) os moradores estiveram impedidos de sair de casa, as ruas ficaram desertas, muita gente entrava em pânico quando tinha febre e tosse. O português José Manuel Esteves, presidente da Associação dos Médicos de Língua Portuguesa de Macau, conta que foram utilizados todos os meios: “máscaras, testes, aplicações para telemóveis, códigos de acesso a espaços públicos (e a muitos privados) – nada foi dei

xado ao acaso”. “As medidas de contenção foram extremamen­te eficazes: confinamen­to rigoroso bairro a bairro, condomínio a condomínio, testes em massa, separação dos membros das famílias até as cadeias de transmissã­o serem todas interrompi­das. Depois, progressiv­amente, a vida regressou ao normal. Quando voltaram a aparecer uns casos positivos (assintomát­icos), toda a população da cidade foi testada no espaço de uma semana.” Atualmente, ali, a epidemia passou para… zero casos.

O pavor, agora, é o inverso – o dos “casos importados”. Professor de Design e Arte, o português António Rosa, retornando a Wuhan logo em maio, contou à Lusa que “as velhinhas afastam os netos quando [o] veem” e que o segurança do condomínio faz sempre questão de verificar a [sua] temperatur­a antes de [o] deixar entrar” no prédio.

A partir do sucesso com Wuhan, a estratégia chinesa, seja o foco numa avenida ou numa região, é a deteção precoce, o isolamento e uma “enorme capacidade de efetuar testes em grande escala e com resultados obtidos ao fim de uma semana”. O presidente da Associação dos Médicos de Língua Portuguesa de Macau lembra que, em Qingdao, quando se descobrira­m 13 infetados num hospital, com origem num “caso importado”, foram testados os 11 milhões de habitantes (mais do que a população portuguesa) e os resultados, uma semana depois, eram todos negativos. Mas houve consequênc­ias: o diretor do hospital e o Diretor Regional dos Serviços de Saúde foram ambos demitidos, “por

Um surto na comunidade, aqui, seria fogo em palha JOSÉ C. MATIAS, JORNALISTA

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O ‘ferry’ que atravessa o rio Yangtze, a 24 de novembro. A vida voltou ao normal, mas de máscara
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O aquário de Haichang, em Wuhan, a 23 de novembro último

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