CÉREBRO: O GRANDE ENIGMA
Funciona no Hospital de Santo António, no Porto, e tem 70 cérebros de pessoas que tiveram demência com menos de 65 anos. O tecido é recolhido, separado por áreas e as diferentes doenças são catalogadas. Precisa-se de exemplares saudáveis
Oliver Sacks, o neurologista inglês que morreu em 2015, autor do bestseller ‘O Homem que Confundiu a Mulher com um Chapéu’, recebia 10 mil cartas por ano com relatos de pessoas a quem o cérebro tinha atraiçoado e outras perplexidades que, de uma forma ou de outra, incomodam, também, a maioria de nós. Por que razão morrem células no cérebro? Por que razão se apaga a memória? Por que é que regredimos para um tempo nunca vivido e esquecemos aqueles que, no presente, amamos? O cérebro é o maior enigma do corpo humano, apesar dos enormes avanços das últimas décadas, nomeadamente no campo das doenças degenerativas. A jornalista Manuela Guerreiro conta como o único banco de cérebros em Portugal está a ajudar cientistas portugueses e estrangeiros nesta descoberta.
Lentamente, a doença vai-nos roubando o pai, a mãe, o tio. Quando eles ainda cá estão. Estão presentes fisicamente, mas, na verdade, já não estão, porque a mente levou-os para outro lado. Está um pai que não reconhece um filho, está uma mãe que quer ir para a sua casa de menina. Está alguém que nos é tão próximo do coração, mas que nos desarma com a pergunta: “Quem és tu?” A doença apaga-lhes a memória e leva a essência da pessoa que crescemos a amar e a quem seguimos como um exemplo de vida. Mas algo desapareceu daquela essência, de uma forma irreversível.
Porque morrem células do nosso cérebro? Por que razão se apaga a memória? Há muito que cientistas de todo o mundo procuram respostas para debelar as demências que afetam diversas funções cognitivas do ser humano, como a memória, a atenção, a concentração, a linguagem ou o pensamento. O estudo mais recente indica que existem em Portugal cerca de 160 mil pessoas com demência acima dos 60 anos de idade. O fator de risco principal para o desenvolvimento de demência é a idade, pelo que, associado ao envelhecimento da população e ao aumento da esperança média de vida, estes números vão aumentar dramaticamente, prevendo-se a sua duplicação. Estimativas apontam para a existência 350 mil pessoas com demência, em Portugal, em 2050, o equivalente a 3,8% da população.
“Não é um diagnóstico fácil de se dar a um doente, o de uma doença que terá um caráter progressivo, e que irá, na maioria das vezes, retirar aquilo que nos torna humanos – a nossa memória. É dos momentos mais difíceis em consulta, para nós, mas principalmente para os doentes e suas famílias.” Ricardo Taipa é neurologista e dá consulta de Demências Neurodegenerativas de Início Precoce no Centro Hospitalar Universitário do Porto. Já acompanhou mais de um milhar de famílias, mas, além de neurologista, é também neuropatologista e está na retaguarda da investigação como coordenador do Banco Português de Cérebros, único em Portugal, que coleciona tecido cerebral para depois o fornecer aos cientistas nacionais e estrangeiros que procuram, de forma incansável, um tratamento.