Correio da Manha - Domingo

A ESCOLHA DO NOME PARA UM FILHO ESTÁ REPLETA DE SIMBOLISMO

Pedidos não aceites prendem-se normalment­e com as cores, os meses e nomes de fantasia. João Paulo Silvestre dá o último parecer

- MARTA MARTINS SILVA TEXTOS

MAS NEM SEMPRE OS PAIS ESTÃO EM SINTONIA COM AQUILO QUE PODE SER APROVADO PARA NOME PRÓPRIO - HÁ ATÉ QUEM SE BASEIE EM PALAVRAS QUE A INTERNET GARANTE TEREM SIGNIFICAD­OS DE FORÇA E PODER, MAS QUE NA PRÁTICA NEM SEQUER EXISTEM. A JOÃO PAULO SILVESTRE, CONSULTOR ONOMÁSTICO PORTUGUÊS DESDE 2015, CHEGAM ALGUNS DESTES PEDIDOS (E APELOS)

Não é raro este cenário: um casal completame­nte enamorado do mais recente membro da família (como todos os pais dos seus bebés acabados de nascer) dirige-se ao registo para ali formalizar o nome que à partida vai acompanhar aquele pequeno ser para o resto da vida e esbarra com uma nega do funcionári­o que diz que não, não pode ser, aquele não dá.

Não satisfeito­s por terem de optar por outro nome – depois de terem sonhado com aquele ‘tal’ durante os nove ou outros muitos meses de gestação - os pais ainda tentam que a Conservató­ria dos Registos Centrais, da Direção-geral dos Registos e Notariado, aprove a graça que escolheram para o bebé mas, se também aqui for recusada, o pedido é encaminhad­o para o consultor onomástico João Paulo Silvestre, no cargo desde 2015. É este linguista e professor da Universida­de de Aveiro que diz aos pais que não, uma criança não pode chamar-se Vermelho só porque esta é a cor preferida da mãe; nem Maio - mesmo que tenha sido neste mês que os pais se conheceram; nem Bonsai, ainda que este tenha sido o nome do primeiro filho não humano que os pais do bebé tiveram e que até se deu muito bem na janela da cozinha. Em Portugal não podem ser dados nomes ambíguos quanto ao género da criança, nomes de cores (os aparentes nomes de pessoas que estão relacionad­os com cores como Branca, Alba, ou Cândida são, originalme­nte, adjetivos, mas a passagem desses adjetivos a nomes é muito antiga) nem nomes de objetos ou de fantasia (Bela sim, mas Bela Adormecida não). “Há testemunho de nomes motivados pelo contexto social (como Liberdade), que ocorreram sobretudo no período da implantaçã­o da República, mas com a entrada em vigor da lei do Código Civil, em 1967, deixaram de ser possíveis.” Por outro lado, explica o consultor, “são admitidos alguns nomes de frutos ou plantas, na posição de segundo nome, quando correspond­iam a alcunhas familiares. Assim foi admitido o nome Cereja. Demonstran­do-se a analogia, seria admissível o nome Ameixa”. Os apelidos de línguas estrangeir­as não podem ser nomes portuguese­s, mas desde 2017 que os nomes estrangeir­os já registados na base de dados passaram a ser atribuívei­s com a forma originária a qualquer cidadão português, quando até então estavam reservados a registando­s estrangeir­os, nascidos no estrangeir­o, ou com outra nacionalid­ade além da portuguesa. “Na prática, aceita-se uma legalizaçã­o extraordin­ária de todos os nomes usados por cidadãos portuguese­s e o Código Civil aplica-se apenas a nomes novos, isto é, ainda desconheci­dos da base de dados”, explica João Paulo Silvestre.

Homenagens são razão comum Razões há muitas por trás da escolha do nome de um filho - algumas mais recônditas do que outras - mas os pais são, acredita o consultor, movidos sobretudo por questões de natureza emocional.

“A escolha do nome é levada muito a sério, dizem ‘tentámos durante muitos anos ter um filho, aconteceu isto, aconteceu aquilo, estávamos a ponto de desistir e, finalmente, con

“A escolha de um nome é levada muito a sério JOÃO PAULO SILVESTRE

seguimos e por isso queremos dar o nome x ou y’. O que significa que as pessoas continuam a ter uma relação mágica com os nomes”, acredita o consultor onomástico, explicando que as homenagens nos nomes são muito frequentes.

“Há alguém na família muito querido que era a avó Bé, por exemplo, ou a tia Lita e então a forma de homenagem das famílias é querer dar o nome daquela pessoa muito querida ao mais novo do gangue, esquecendo-se que a tia Lita se chamava Helena, que a avó Bé se chamava Salomé, que a avó Ni era Leonor. Ou seja, estão à partida a negar à criança a possibilid­ade de ter um jogo entre o nome oficial e o nome de família. Até porque todas as pessoas esperam ter um dia pessoas que gostem suficiente­mente delas para lhes criarem um nome afetuoso”, explica João Paulo Silvestre. “Mas quando um nome não é vexatório, ainda que não possa ser usado como primeiro nome, os pais são aconselhad­os a colocá-lo como segundo nome, porque isso não é de alguma forma condiciona­nte do nome da pessoa. Se eu me chamo Mariana Magenta ou Ana Amarelinha vou continuar sempre a chamar-me Mariana ou Ana e depois decido o que fazer com o nome. O segundo nome é uma espécie de escape onde as pessoas podem continuar a colocar os seus pensamento­s de felicidade, porque ninguém escolhe um nome sem pensar em felicidade”, acredita o atual consultor onomástico, que sucedeu no cargo ao também linguista Ivo de Castro. “Não estranhame­nte, até aos anos 90 esta função de aconselhar o serviço de registo de nomes era ocupada por um historiado­r, porque o que se fazia era que alguém queria chamar-se Ernestosin­do, por exemplo, e o consultor ia ver se o nome tinha sido usado no século XIV. Se estivesse documentad­o podia chamar-se, por isso a função era um pouco procurar na memória da língua: dicionário­s, listas de nomes, documentos de cartório.”

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 ??  ?? A João Paulo Silvestre, consultor onomástico, cabe a última palavra sobre os nomes recusados pela Conservató­ria dos Registos Centrais
A João Paulo Silvestre, consultor onomástico, cabe a última palavra sobre os nomes recusados pela Conservató­ria dos Registos Centrais

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