Correio da Manha - Domingo

‘Teatro das Imagens – Cruzeiro Seixas, a poética do engano’

João Francisco Vilhena fotografou num palco surrealist­a criado para o pintor. A exposição está em Setúbal

- POR FERNANDA CACHÃO

é o título da exposição de João Francisco Vilhena, o resultado do feliz encontro com o pintor surrealist­a, recentemen­te desapareci­do

`Teatro das Imagens, Cruzeiro Seixas, a poética do engano' é o título damaisrece­nteexposiç­ãodejoão Francisco Vilhena - integra 18 obras nascidas na boca de cena do Teatro Armando Cortez, em Lisboa, na sequência de um encontro feliz entre o pintor e poeta surrealist­a e o fotógrafo. Está patente na Casa da Cultura e na Casa da Avenida, em Setúbal. “Esta exposição nasce devido a uma relação de amizade surgida tardiament­e, quando ele já tinha 96 anos e eu estava a desenvolve­r um trabalho para o Centro Português de Serigrafia (CPS). Já tinha uma enorme admiração por ele”, começa por contar João Francisco Vilhena. Depois desse primeiro encontro, pintor e fotógrafo voltam a reunir-se na homenagem feita pelo CPS por ocasião dos 97 anos de Cruzeiro Seixas - “e foi então que combinei visitá-lo. Iniciámos uma série de conversas à volta da vida dele e do movimento surrealist­a em Portugal que fizeram nascer uma amizade que só não foi grande porque não beneficiou da dimensão do tempo” - Artur do Cruzeiro Seixas morreu a 8 de novembro deste ano, a dias de completar 100 anos de idade. A ideia de fotografar o pintor surgiu pois como uma inevitabil­idade, à medida que se iam conhecendo: “Tinha de o fotografar, aquele documento vivo”, um dos maiores, entre uma geração de notáveis, fundador de ‘Os Surrealist­as’, com

Mário de Cesariny, Mário-henrique Leiria e Carlos Calvet, entre outros, que “viveu no Estado Novo, passou pela Revolução de Abril e depois pela democracia estabeleci­da” e foi programado­r cultural de galerias, lugar onde apoiou a carreira de artistas como Paula Rego, António Areal, Sarah Affonso e Mário Botas. “Gosto muito de pessoas, de saber as histórias delas e estar com uma figura daquelas, a contar-me histórias dele e do País, foi uma oportunida­de única.”

Em cima do palco

Quando o quis fotografar, Vilhena ainda não sabia como poderia fazê-lo - “pensei, li coisas sobre o movimento surrealist­a e a vida dele e tive a ideia de um teatro, em que ele seria o ator principal, visitado por personagen­s que, de alguma forma, faziam parte do seu universo pictórico e poético”. E comunicou-lhe a ideia: “Ele respondeu-me: ótimo, mascarado de Cruzeiro Seixas. E eu ri-me imenso e percebi que só podia resultar numa coisa boa. Expliquei-lhe que gostaria de o fotografar num palco, assim com uns mascarados e as sessões fotográfic­as acabaram por ser muito bonitas” - no palco, nos intervalos da programaçã­o regular do teatro Armando Cortez, ao lado da Casa do Artista, em Lisboa, onde Cruzeiro vivia e passou os últimos anos até à sua morte. “Consegui autorizaçã­o para utilizar o teatro e depois convidei amigos para desempenha­r essas personagen­s que criei: a pessoa que mo apresentou, Alexandra Silvana, que é editora artística das edições do CPS, que teve sempre um grande contacto com o Cruzeiro Seixas e foi responsáve­l também pelo álbum ‘Diário Não Diário’, edições do CPS; a Helena, minha mulher; o Nuno, grande amigo e designer; o Pedro Oliveira, o mais antigo deles, desde os tempos do liceu, que foi vocalista dos Sétima Legião; o Luís Manuel Gaspar, poeta, ilustrador e pintor também. Na verdade foi em ambiente de família” que foram encarnadas personagen­s como o touro, o cavalo ou o Minotauro, que fazem parte da obra dele - “animais importante­s também na obra dos surrealist­as”.

João Francisco Vilhena montou a sua “pequena peça de teatro”, a que chamou de “teatro das imagens”, que posteriorm­ente deu título à exposição, em que a figura principal,

“Gosto muito de pessoas e estar com uma figura daquelas foi uma oportunida­de única JOÃO FRANCISCO VILHENA, FOTÓGRAFO

Exposição está em Setúbal até ao final do mês de janeiro

Cruzeiro Seixas, estava também rodeado por objetos pessoais, como uma mesa pequenina ou a cadeira desenhada por ele e que já não via há muito, exemplar único, propriedad­e de uma colecionad­ora privada, que surgia “como se fosse o seu ‘alter ego’”.

A exposição integra 18 imagens. As mais pequenas, 10, alinhadas na parede na Casa da Cultura, como se fossem película de um filme, contam uma história, as três maiores, que são os retratos da ‘família’ e são dele com todas as personagen­s que entraram em cena. “As cinco restantes, de grande dimensão, estão expostas na Casa da Avenida e teremos de atravessar a Luísa Todi”, em Setúbal.

O título da exposição, que deverá ainda ir para Évora, em fevereiro, acaba por ter a ver com o engano na arte surrealist­a: “Cruzeiro Seixas está sempre sentado e, ao seu lado, a cadeira e as personagen­s que dialogam com ele. É como se houvesse um bailado entre figuras que se vão desconstru­indo. É um grande sonho, uma sessão de psicanális­e”, diz Vilhena. “Quando lhe mostrei as imagens, de muito perto porque já não conseguia ver muito bem, ainda antes da ideia da exposição, o que prevalecia era a ideia da família, que esteve à mesa, como ele disse no final, e que tem a ver com uma certa linhagem pela antiguidad­e e as histórias que os mais velhos contam.”

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João Francisco Vilhena fotografad­o em Setúbal. O ex-fotojornal­ista de 55 anos, que já expôs em Portugal e no estrangeir­o, é autor da série ‘O Amor Mata’ e de livros como ‘Lanzarote – A janela de Saramago’, em coautoria com o escritor

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