Correio da Manha - Domingo

“NÃO LARGUEI A G3!”

Era condutor de pesados e as emboscadas eram um dos nossos maiores medos. Quase perdi a vida numa delas

- MANUELA GUERREIRO RECOLHA DO DEPOIMENTO

Fui mobilizado, com 25 anos, para a Guiné para substituir um camarada morto no comando do Batalhão de Caçadores 238, em Bafatá. Mentalizei-me de que os dois anos seguintes passariam depressa e não me desagradou a ideia de conhecer África. Embarquei no navio Ana Mafalda, em 1961, com destino ao Batalhão 238 e Pelotão de Morteiros 17. O meu batalhão pouco foi ‘beliscado’, mas, ainda assim, tivemos duas baixas: um condutor numa emboscada e outro por afogamento.

Estávamos no Leste da província e o nosso setor ia até Madina do Boé, o santuário do inimigo. Um dia, foi pedida a nossa intervençã­o, porque as populações estavam a ser constantem­ente flageladas pelos guerrilhei­ros. Partimos com 60 homens, incluindo africanos, e 10 viaturas. Parámos às 5h30 numa secção no mato, comandada por um alferes, onde tomámos o pequeno-almoço e ele disse-nos: “A partir da curva da morte (50 metros em que o capim circundava a estrada, fazendo uma abóbada) vai acontecer de tudo: emboscadas, árvores cortadas na estrada, pontes dinamitada­s, abrigos quentes e minas”– o que os condutores mais temiam.

“Afinal, não estás morto”

Na primeira emboscada, um guerrilhei­ro perguntou, atrás do capim, em voz muito alta: “Quem comanda es sam ****?” O alferes Soares ouviu-se como resposta. Saltámos todos de imediato das viaturas para as valetas da estrada, mas, eu, ao meter ponto morto e travar, com o travão de mão, não acompanhei o andamento da viatura. E, ao saltar, fiquei com o camuflado preso num gancho do taipal, sem conseguir sair dali. Pendurado de cabeça para baixo, não larguei aG 3 nem duas granadas que levava no cinto.

Foram cinco minutos que me pareceram horas! À minha volta, os projéteis do inimigo perfuraram a chapa da GMC, sem nunca me acertarem. Aquilo parecia o fim do mundo! Não sofremos baixas, mas infligimo-las ao inimigo, que pusemos em debandada, e prosseguim­os pelo capim adentro. O alferes Soares veio, depois, tirar-me da viatura e disse-me: “Afinal, não estás morto! Todos julgámos isso...” Respondi-lhe: “Meu alferes, ainda não foi desta que me fizeram a folha.” A operação foi um sucesso, porque não tivemos baixas e restituímo­s a paz à população. Fui feliz em Bafatá, cidade linda, com pessoas muito acolhedora­s. Recordo, com saudade, o Capé, onde o Carlos, um metropolit­ano, tinha um alambique de aguardente de cana, e a Quinta do Espírito Santo, com os seus maravilhos­os ananases. Também as crianças me deixaram saudades. Regressei da Guiné com cinco anos de serviço militar, incluindo o tempo passado na metrópole.

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