AINDA HÁ BOA COMIDA DE PENSÃO EM VIANA
O crítico Francisco Seixas da Costa encontrou n'o Laranjeira o conforto de uma cozinha tradicional.
A cidade tem vindo a melhorar a sua oferta de restaurantes. O Laranjeira é, seguramente, um dos mais antigos – e, com toda a certeza, aquele que, dentre estes, melhor evoluiu.
Acasa de que hoje falo é o exemplo acabado da evolução, que aconteceu em muitas vilas e cidades de província, daquilo que era a zona de refeições de uma antiga pensão para o que se tornou um cómodo e moderno restaurante. Num país em que, durante muito tempo, a rede hoteleira foi escassa e pouco acessível à bolsa da maioria dos viajantes, as pensões ofereciam alternativas «mais em conta». Eram sempre apoiadas numa sala de refeições, num registo quase familiar, que passou a abrir-se ao público exterior. Sem grandes pretensões ou arrebiques, nem falhas muito notórias – dependendo da qualidade dos produtos, do pundonor dos proprietários e da mão de quem os confecionava – a «comida de pensão» era, em geral, simples e escorreita, recorrendo à culinária portuguesa essencial.
Nas memórias (algumas mais nostálgicas do que saudosas, confesso) que guardo desse país do passado, tenho registadas algumas pensões que criaram nome e firmaram justos créditos, muitas vezes ligados à arte de umas senhoras (nessa altura, a cozinha era reino exclusivo das mulheres) que ficaram conhecidas pelo nome próprio, a que algumas vezes ligávamos um determinado prato em que se distinguiam. Ia-se a tal sítio pelo bacalhau ou os pastéis de massa tenra ou o cabrito da dona Adozinda, da dona Felismina ou da dona Gertrudes – para usar os nomes que o meu amigo Rui Vieira Nery lembrou, num texto saboroso, para designar as cozinheiras desses tempos.
O Laranjeira, com os seus 75 anos, é bem desse tempo. Era a dona Maria, proprietária com o marido Francisco, quem oficiava na cozinha e que, ainda hoje, aos 95 anos, por ali é vista com gosto. Os aparadores escuros e o
soalho que rangia, da minha memória muito antiga, foram substituídos por uma decoração funcional, que dá leveza ao espaço. Ao fundo, sem um cheiro a transbordar, fica a cozinha. Na sala, o proprietário, José Laranjeira, de sorriso aberto, e a Maria Eugénia, colaboradora que faz parte da mobília, desdobram-se numa atenção delicada aos clientes.
Passando à razão da visita. A lista, que é muito cuidada, apresenta, além de dois pratos de carne e dois de peixe do dia (não excedendo dez euros), uma lista razoável de entradas, encimada por uma degustação de sabores tradicionais, algumas saladas e gambas ou mexilhão salteados em azeite. Nas sopas, salienta-se, há muito, a de peixe. Nestes últimos, o bacalhau à Laranjeira tem justo nome, os filetes de pescada são um ex-líbris, o peixe grelhado é o da lota, havendo um arroz caldoso de tamboril e um excelente (tenro, provei) polvo na caçarola. Nas carnes, o cabritinho no forno estava muito bom, tal como as coteletinhas de borrego. Havia ainda a vitelinha estufada (notem-se todos estes «inhos», muito nortenhos) e o assado de porco com castanhas. As sobremesas vêm num carro, numa moda que eu gosto e me provoca recorrentes hesitações. Por lá estavam coisas como o pudim de ovos, o leite-creme, coisas boas de chocolate e fruta para os que não queiram pecar. Ah! Um belo queijo da serra com marmelada caseira fechou a função. Boa variedade de tintos e, em especial, verdes brancos, a preços razoáveis, ajudam à função.