Evasões

O ORÇAMENTO PARA IRMOS PASSEAR

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Quando os meus pais começaram a trabalhar, aos 20 anos, comigo a nascer pouco depois, faziam meticulosa­mente as contas do mês num caderno que eu encontrei há uns anos. Estavam longe da família, não tinham nada de seu, não tinham casa própria e o primeiro carro, muito usado, chegaria mais tarde. O que me chamou a atenção nesse rigor contabilís­tico descrito na letra graciosa da minha mãe foi que, no final da tabela, depois da renda, da prestação dos eletrodomé­sticos e da mobília, do supermerca­do, da conta da luz, havia o dinheiro para passear. Normalment­e, sobravam 50 escudos, o que dava para almoçar fora um par de vezes e dar um passeio mais comprido. Se eu tivesse que ir ao médico, podia dar para quase nada. Mas naqueles (bons) tempos em que as pessoas tiravam maior satisfação da simplicida­de, ter dinheiro para lanchar numa confeitari­a podia ser suficiente para iluminar uma tarde de domingo de passeio (e, às vezes, uns mergulhos) à beira-tâmega. Das várias lições de bom senso dos meus pais, a minha favorita é esta do rigor orçamental que deixa as sobras para passear. Quando eu estudava na universida­de e pedia mais folga para ir a um concerto ou uma saída mais exigente, o meu pai dava-me mais dinheiro, dentro de certos limites. «Antes gastar assim do que na farmácia», dizia ele. É verdade que fomos tendo a sorte - a maior de todas - de nunca precisar de gastar mais na farmácia do que a passear. E continuamo­s a agradecer essa fortuna da saúde orçamentan­do os passeios. É por isso que os meus pais adoram que eu trabalhe na Evasões, mesmo tendo eu uma carreira anterior de vários anos no jornalismo generalist­a. Esta valorizaçã­o do passeio, do descanso, da descoberta e da aprendizag­em descontraí­da dos lugares é das melhores heranças que me deixam.

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NORTE POR DORA MOTA

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