Evasões

A TOCA QUE NOS TOCA

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TOMAR

Não há muitos sítios assim. Aliás, não há nenhum sítio assim. Até podia ser da centralida­de geográfica que ninguém lhe pode negar. Esta Lúria é mais do que abrigo, é genuíno ponto de convergênc­ia de todas as épocas gastronómi­cas do ano e de todas as especialid­ades.

Fátima e Francisco Antunes assumiram o local que o pai de Fátima fundou e, como acontece com todo o grande tesouro, deixaram que crescesse, apenas. Deve ser isto que se diz ser bem-nascido. Ao longo do ano, encontro aqui nas grandes marés da cozinha tradiciona­l portuguesa gente vinda de norte a sul, de lés a lés, para se sentar à mesa e passar meia dúzia de horas bem passadas. Os viajantes pressuroso­s também encontram recompensa, mas o tempo é dimensão maior.

Inesquecív­el o dia em que cheguei com o fito das silarcas – os cogumelos Amanitas

ponderosa chamam-se cilercas no Ribatejo – e na pérgula da entrada estavam meia dúzia de lampreias a abocanhar a pedra, enquanto esperavam a vez para a mortificaç­ão e processame­nto. Tinham vindo do rio Minho, eram das primeiras, assunto quase secreto. Tanto ou tão pouco que em meia hora a horda preenchia todas as mesas e espaços. Uma mesa de algarvios, duas de alentejano­s, etc., ao fim e ao cabo ocupação matizada, comensais que se puseram a caminho de manhã para provar as especialid­ades recorrente­s do Lúria ao almoço, depois voltar pela noitinha para os pontos de partida.

As ditas cilercas são servidas simplesmen­te assadas (10 euros) ou com ovos (8 euros), sendo que a variante pura é que se recomenda, sobretudo para quem não conhece. Ganha-se pedindo também por exemplo um queijinho de cabra curado (4 euros) e petinga no forno (5 euros), espécie de cebolada da sardinha-bebé sem exageros de tempero. Além de nos entretemos, enjeitamos a ansiedade inconfessa mas que sempre se instala enquanto a cozinha elabora o pedido. Carne ou peixe, carne e peixe, já que se leva fome melhor ambas, no tempo dela sai um arroz da dita (20 euros) que pede vénia, assim como duas açordas de antologia, seja a de cherne (14 euros) ou sável (14 euros). É difícil de descrever de vezeiro por aí que é o polvo grelhado (14 euros) mas é de considerar aqui, em modo quintessen­cial.

O magusto de carnes (26 euros, 2 pessoas) consta de peças de cabrito, porco e vaca, acompanhad­o de deliciosa açorda de cilercas no pão, mais que suficiente quando se pende mais para carnívoro. Assunto muito sério e ponto de honra da Lúria é o cabrito, que há quase sempre e tem zénite no forno (15 euros), competente e gostoso na brasa (15 euros). O bovino mirandês declina aqui uma posta deliciosa (15 euros) mas há que deixar espaço para a copiosa oferta de sobremesas, todos os dias diferente. Vai para três décadas a tratar assim bem de nós e sair com a impressão de estar em casa. Não há igual.

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