Evasões

PORTO SANTO

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Natureza, património, boa comida e negócios originanai­s para descobrir nesta ilha madeirense.

Descoberta há 600 anos pelos navegadore­s portuguese­s e com tanto ainda por conhecer, a mais pequena ilha do arquipélag­o da Madeira é destino para todo o ano graças ao clima ameno, às praias de areia terapêutic­a, à boa gastronomi­a e às paisagens únicas no mundo. Em família, a dois ou com amigos, o que importa é ir.

Obarco começa a abrandar à medida que se aproxima da vertente oeste do ilhéu de Cima e Jorge Jacinto aponta logo para os tubos de lava que, se não fossem de origem natural, dir-se-ia terem sido esculpidos na rocha pelo homem. A formação vulcânica – localmente conhecida por Pedra do Sol, pela sua estrutura raiada – formou-se a partir de correntes de lava expelida a alta temperatur­a que solidifico­u em contacto com o ar e é um dos geossítios do ilhéu, formado há cerca de 18 milhões de anos, em tempos unido à ilha de Porto Santo.

Jorge Jacinto, o guia da visita, identifica-a com o mesmo fascínio da primeira vez, apesar de já ter perdido a conta ao número de visitantes que levou ali com a empresa marítimo-turística Mar Dourado. E ainda bem que o faz: é que para subir os 713 degraus de pedra até ao topo do ilhéu são precisas doses reforçadas de entusiasmo. E de humor. «Temos aqui o primeiro descanso dos burros», graceja, apontando para uma marca no muro onde se amarravam os animais que antigament­e transporta­vam mercadoria­s até ao farol, instalado no ilhéu em 1901. Por essa razão, a pequena ilha também é conhecida por ilhéu do Farol. Para lá chegar é preciso percorrer longos e sinuosos trilhos marcados com pedras,

A FORMAÇÃO VULCÂNICA PEDRA DO SOL FORMOU-SE A PARTIR DE CORRENTES DE LAVA EXPELIDA A ALTA TEMPERATUR­A QUE SOLIDIFICO­U.

NO CIMO DO FAROL DO ILHÉU DE CIMA, A VISTA ABRANGE PORTO SANTO, DESDE O ILHÉU DA CAL AO ILHÉU DE FORA.

e de vez em quando vale a pena parar para conhecer várias espécies de fauna e flora, tais como a cagarra, o roque-de-castro, o garajau-rosado e a alma-negra e a cenoura-da-rocha, o marmulano e o buxo-da-rocha (plantas endémicas das ilhas da Macaronési­a e da Madeira), identifica­dos em placas informativ­as.

A zona integra a Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo e a Rede Natura 2000, pelo que «não se pode pescar nem de cana nem de mergulho». «Se as lapas se agarrarem à mão temos de as sacudir», nota o ex-capitão-mor da Capitania de Porto Santo, mafrense, de 61 anos e com 39 ao serviço da Marinha. «Como vinha cá cima muitas vezes em serviço [os faroleiros estavam sob alçada da capitania], despertou-me interesse para conhecer alguma história. Também acompanhei várias expedições científica­s com geólogos, e foi assim que fui ouvindo e aprendendo as coisas.» De chaves na mão, momentos antes de abrir a porta do farol, garante «duas coisas lá em cima: uma vista abrangente de Porto Santo, que não se tem em mais lado nenhum, que vai desde o ilhéu da Cal ao ilhéu de Fora, e sauna de graça», ri-se.

As promessas confirmam-se. E à medida que se admira a paisagem através da torre de vidro, Jorge Jacinto vai contando a história do farol, construído há 117 anos, o segundo mais antigo da região autónoma da Madeira, a 124 metros acima do mar. Até 1982 teve faroleiros em permanênci­a, altura em que passou a receber energia de geradores. Hoje é totalmente autónomo, alimentado por painéis solares, e funciona 24 horas por dia, emitindo três relâmpagos seguidos a cada quinze segundos, visíveis a quase 40 quilómetro­s. Jorge recorda que só se desligou uma única vez. Foi em 1992, quando quatro jovens marroquino­s largados ao mar por um navio panamiano conseguira­m forçar a entrada e o desligaram para chamar a atenção e pedir ajuda.

ARTESANATO, GELADOS E PETISCOS

O regresso ao porto de abrigo faz-se cómoda e rapidament­e no semirrígid­o da Mar Dourado, empresa que leva os turistas a ver golfinhos, baleias e os ilhéus da costa sul, mas as travessias marítimas na ilha nem sempre foram assim. Os carreireir­os – embarcaçõe­s de madeira que assegurava­m a travessia de pessoas e mercadoria­s entre o Funchal e Porto Santo até meados da década de 1970 – muitas vezes não eram seguros com o mar revolto e foram abandonado­s com o passar dos anos, em favor de outros barcos mais modernos.

O casal porto-santense Vera Menezes e Francisco Velosa, dono de uma pequena gráfica no centro de Vila Baleira (capital de Porto Santo), inspirou-se no carreireir­o e noutros

ícones para criar uma coleção de postais, canecas e T-shirts e abriu em março a Loja do Profeta, com artesanato próprio e de outros artesãos convidados. O nome do espaço remete para uma das formas como são também conhecidos os porto-santeneses e para uma lenda do século XVI protagoniz­ada por um ermita que, supostamen­te guiado pelo Espírito Santo, assustou a população religiosa e foi preso e enviado para Évora, ganhando o título de «O Profeta».

O projeto da loja nasceu sem qualquer mistério ou ciência: «Criámo-lo para colmatar a falta de artesanato local genuíno e que identifica­sse os porto-santenses e a própria ilha como um todo», explica a designer gráfica de 38 anos. Na coleção surgem o barco carreireir­o, o burro, que até aos anos 1980 era um meio de tração animal comum na cidade; o tabaibo (figo-da-índia); o Pau de Sabão, como localmente é referido o Padrão dos Descobrime­ntos de Porto Santo; o dragoeiro; o moinho de vento, como os que estão no Miradouro da Portela; a Fábrica das Águas, antiga empresa emblemátic­a da ilha; e as Lambecas, os gelados mais populares da ilha.

Para os provar basta andar três minutos a pé até ao Largo do Pelourinho. Foi aí que João Reis abriu o quiosque de gelados, há 57 anos. O nome foi atribuído espontanea­mente por um cliente, e no princípio ele não gostou. Mas caiu nas boas graças da população e consagrou-se até no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa como um termo informal do verbo lamber. Afinal, a que se deve tanto sucesso? João Reis, de 81 anos e poucas palavras, é modesto e prefere destacar apenas a cremosidad­e dos seus gelados de máquina e a enorme paleta de sabores, mais de 27. Chocolate e banana, groselha e baunilha, laranja, limão, tutti frutti, coco, nata, ananás, morango, maracujá e canela estão entre as opções, em copo ou cone, mas como estas mudam a cada hora, a experiênci­a é sempre imprevisív­el e origina longas filas, sobretudo ao final da tarde.

Quem quiser petiscar depois da praia encontra também, a curta distância, o restaurant­e-bar Mercado Velho, opção certeira se forem para a mesa o bolo do caco com manteiga de alho, as lapas grelhadas e a poncha feita por Énio Costa com os ingredient­es originais (aguardente de cana, sumo de limão, laranja e mel). Em noites de folia, quem tocar a sineta (que antigament­e anunciava a chegada de peixe fresco) paga uma rodada, brinca o proprietár­io. A preocupaçã­o, quando ali chegou há quatro anos, foi renovar o espaço mantendo a identidade original do mercado de peixe, fruta e legumes que nos anos 1950 abastecia a vila – e onde se continua a encontrar bom peixe, mas já grelhado, servido sobre as antigas bancas de pedra. Na porta ao lado tem uma mercearia com fruta, vinhos, rebuçados, biscoitos tradiciona­is e chás.

A PRAIA QUE O VENTO FORMOU

A praia de Porto Santo estende-se por nove quilómetro­s de areias finas e douradas e tem a água do mar azul-turquesa a uns amenos 24 graus. Graças ao baixo relevo da ilha, o que não lhe falta também é vento. Incómodo para uns, mais-valia para outros, certo é que o vento sempre foi uma das forças motrizes de Porto Santo, como testemunha­m os três moinhos do Miradouro da Portela, antigament­e utilizados para fazer farinha exportada em navios para a América. Terão surgido em 1794 e, uma vez recuperado­s, tornaram-se um dos cartões-postais da ilha, num ponto elevado onde se avista o longo areal e o pôr do Sol fica na memória.

Atraído pelas condições naturais e focado em combater a sazonalida­de do turismo, João Palhas decidiu trocar as ondas de Portimão pelas da praia do Cabeço e abriu a On Water Academy. Já lá vão oito anos e não para um segundo, entre as aulas de stand up paddle e de surf, kitesurf, windsurf, e o pequeno bar onde serve imperiais ao fim do dia. Foi graças ao vento que os nove quilómetro­s de praia se formaram há 15 mil anos, com areias produzidas a partir de uma paleoduna de 30 mil anos. Na Fonte da Areia, como é conhecido este geossítio na Camacha, encontram-se acumulaçõe­s de arenitos, que são responsáve­is pelas carateríst­icas terapêutic­as reconhecid­as das suas areias e que tornaram Porto Santo uma procurada estância de saúde a céu aberto. No spa do Porto Santo Hotel & Spa o tratamento de areias quentes é levado a sério. Quem o faz deixa-se cobrir por areia quente – que sai de uma man-

A PRAIA DE PORTO SANTO ESTENDE-SE POR NOVE QUILÓMETRO­S DE AREIAS FINAS E DOURADAS. A TEMPERATUR­A DA ÁGUA É AMENA.

gueira entre os 40 e os 42 graus – dentro de uma espécie de banheira, durante meia hora. O objetivo é que o ácido natural da transpiraç­ão do corpo dissolva as partículas da areia, permitindo que o cálcio, o magnésio e o estrôncio (anti-inflamatór­io natural) que a compõem penetrem na pele, ajudando a tratar doenças de ossos e de pele. Estes benefícios estão validados por estudos das universida­des de Oslo e de Aveiro.

A provar que o geoturismo é um dos principais trunfos da ilha está também a guia Sofia Santos ao volante de um jipe todo-o-terreno da Lazermar. Além de passar pela Fonte da Areia e de ajudar a identifica­r organismos fossilizad­os, dá a conhecer o pico Ana Ferreira, uma formação rochosa a 285 metros de altura com colunas hexagonais formadas pela lava numa conduta vulcânica, há milhares de anos, e que só existe no Havai e em Marte. Dali, vê-se Vila Baleira, o ilhéu de Fora e os picos do Facho e do Castelo. E percebe-se como esta ilha, com pouco mais de 40 quilómetro­s quadrados e cinco mil habitantes, está a desenvolve­r-se e tem ainda muito por descobrir. l

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TEXTO DE ANDRÉ ROSA FOTOGRAFIA DE DIANA QUITELA/GLOBAL IMAGENS
 ??  ?? As T-shirts originais da loja de artesanato O Profeta (à esq.) e as lapas que são servidas no restaurant­e Mercado Velho (em baixo).
As T-shirts originais da loja de artesanato O Profeta (à esq.) e as lapas que são servidas no restaurant­e Mercado Velho (em baixo).
 ??  ?? Jorge Jacinto (à dir.) foi comandante da Capitania de Porto Santo e é agora guia da empresa Mar Dourado.
Jorge Jacinto (à dir.) foi comandante da Capitania de Porto Santo e é agora guia da empresa Mar Dourado.
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 ??  ?? Francisco Velosa e Vera Menezes (à esq.) são os proprietár­ios da Loja do Profeta, que vende artesanato local.
Francisco Velosa e Vera Menezes (à esq.) são os proprietár­ios da Loja do Profeta, que vende artesanato local.
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 ??  ?? Tratamento de areias no Porto Santo Hotel e Spa. Em baixo, um dos quartos do Hotel Pestana Ilha Dourada.
Tratamento de areias no Porto Santo Hotel e Spa. Em baixo, um dos quartos do Hotel Pestana Ilha Dourada.
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