UMA SALA PORTUGUESA, COM CERTEZA
LISBOA No novo restaurante de João Sá, «os pratos são extremamente portugueses sem o serem». Uma caixa de surpresas onde a sazonalidade impera e a carta muda a ritmo frenético, para assegurar a máxima frescura e qualidade. Da terra e do mar para a mesa.
Que o nome não deixe margem para dúvidas. No novo SÁLA que João Sá acaba de abrir no Cais do Sodré o foco está na cozinha. Simples no olhar mas complexa na execução: assim é a cozinha e a visão do chef de 32 anos no novo restaurante. Os sabores da cozinha portuguesa são o esqueleto principal.
«Estes são pratos extremamente portugueses, sem o serem», explica Sá. «Gosto dessa ambiguidade», sorri. Nos últimos anos tem-se dedicado mais a dar aulas, desde que deixou a chefia de cozinha do Assinatura, mas o percurso que tem nas costas não mente. Seja a trabalhar com nomes como Ljubomir Stanisic, em Lisboa, com Nuno Mendes, em Londres, ou no Viridiana, uma estrela Michelin, em Madrid.
«Os portugueses acham que a sua cozinha é intocável, que não se pode mexer. A cozinha é tudo menos estanque», considera Sá. Um bom exemplo desta premissa é a própria carta camaleónica do SÁLA, que muda ao sabor das estações e dentro destas. Propostas fiéis à sazonalidade, para oferecer o melhor e mais fresco da terra e do mar. «Em breve já terei que mudar a carta. Beringela, figo e melancia acabam e entram romãs, castanhas, dióspiros, maçãs...», enumera. Uma forma de encarar a gastronomia que já tinha mostrado no G-spot, o restaurante de Sintra, onde se estreou como chef, em 2009, e onde nunca repetiu um prato em três anos.
Desde aí, muito mudou. Este novo SÁLA evidencia uma maior preocupação de João com uma cozinha mais saudável, desde que Sá e a mulher, a chef Marlene Vieira, foram pais. Na verdade,
a maioria das propostas assentam nos legumes, no peixe e no marisco, deixando a carne em dois pratos. «Desde que nasceu a Isabel, há três anos, que se fez um clique. Não fazia sentido, tivemos de mudar», conta.
A abrir o apetite está a tarte Bulhão Pato, com bivalves frescos, creme feito a partir de molho Bulhão Pato e gel de limão. Mas também a colorida tarte de legumes de pequenos produtores, que reúne cenouras, cebolo, rabanete, beterraba amarela e nabo com puré de grão e uma folha de arroz. De lamber os dedos são os baos (pães chineses) que têm uma surpresa suculenta por dentro, em homenagem a um clássico: porco preto com amêijoas, maionese de coentros e algo frito. «Marina de um dia para o outro e leva massa de pimentão caseira», revela.
A lembrar um tradicional arroz de choco está o estufado de choco com espuma de arroz de choco, gel de limão e coentros, pronto para comer com os olhos e a boca. O bacalhau e a corvina protagonizam dois pratos, ambos grelhados. O primeiro acompanha com molho piu-piu (emulsão de gelatina de bacalhau e azeite) e uma batata que é primeiro cozida, depois assada e por fim caramelizada. O segundo faz dupla com um refrescante molho de caril verde. Propostas que completam uma carta que não está dividida por entradas e pratos principais, de propósito. «Quero dar liberdade de escolha», afirma o chef. A dança de sabores pode ser acompanhada com um dos cerca de 40 títulos vínicos na carta, ou os sumos naturais e cocktails à base de fruta da época. Uma dica? O Madeira’s Mule, inspirado no clássico Moscow Mule, leva rum madeirense, pepino e ginger beer. Uma receita que se faz com talento, experiência e de coincidências. No primeiro dia de abertura, o agente dos U2 passeava na rua e almoçou no SÁLA. Um arranque promissor, sem etiquetas. «Hoje, tudo tem de ter rótulos. Não posso ter apenas um restaurante de boa comida, sem tretas?», questiona Sá. Pode, claro. E tem. l
SÁLA Rua dos Bacalhoeiros, 103 (Cais do Sodré) Tel.: 218873045 Web: restaurantesala.pt Das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 24h00. Encerra ao domingo e à segunda. Preço médio: 25 euros.