Arte da Madeira visível em Lisboa
No ano de 2018 assinala-se o sexto centenário da chegada dos navegadores portugueses à ilha do Porto Santo. A chegada à Madeira viria a ocorrer em 1419. No âmbito das comemorações, o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, está a promover um ciclo de conferências (a primeira realizou-se a 14 de dezembro, sendo as restantes a 11 e 25 de janeiro, a 8 de fevereiro e a 1 de março), realizadas em paralelo com a exposição “As Ilhas do Ouro Branco – Encomenda Artística na Madeira Séculos XV-XVI”, em que se mostram 86 obras de arte representativas dos dois primeiros séculos de ocupação do arquipélago, cuja prosperidade resultou da implementação da cultura do açúcar (o ouro branco a que alude o título da mostra) e da popularização, na Europa, do consumo desse produto.
Investigador e docente do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Francisco Carlos Palomanes Martinho publicou o livro Marcello Caetano: uma biografia (1906-1980) — Lisboa, Objectiva, 2016. Trata-se, pois, de um olhar historiográfico brasileiro sobre a individualidade portuguesa que, depois de António de Oliveira Salazar, estruturou a intervenção política mais nuclear ao longo da Ditadura Militar e do Estado Novo (1926-1974). Na perspectiva de Francisco Martinho, mesmo nos anos 1940 a 1970, Marcello Caetano adoptou uma postura, por um lado, modernizadora e liberalizante; por outro, conservadora e apologista, quer da continuidade do regime ditatorial, quer da tutela de “territórios e populações não autónomos”. Correndo, embora, o risco de simplificar os objectivos do autor desta obra, diria que Francisco Martinho procurou elaborar um texto que, em simultâneo, aparentasse alguma naturalidade ou simplicidade narrativa, tornando o discurso acessível e interessante para o grande público; que integrasse numa segunda camada conceitos, problemáticas e interpretações actuais e especializados, detectáveis por leitores mais diferenciados. Salientando, embora, as questões estritamente biográficas, propõe, quase sempre, vectores de contextualização de âmbito nacional e internacional. Penso que conseguiu atingir um equilíbrio operatório entre dois registos por vezes tidos ou apresentados como inconciliáveis. A presente biografia de Marcello Caetano visou, também, construir uma narrativa que contrariasse a tendência, dominante entre nós, para considerar sobretudo — quando não exclusivamente — o Marcello Caetano dos anos de 1968 a 1974, ignorando grande parte do período durante o qual o líder da ditadura que substituiu António de Oliveira Salazar (fundador e chefe do Estado Novo português entre 1933 e 1968) se posicionou e interveio pessoal e profissionalmente, ideológica e politicamente (1922-1980). Destacou, para o efeito, tanto as décadas de 1920 a 1950 — durante a Primeira República, a Ditadura Militar e o Estado Novo —, como os anos que se seguiram ao Golpe de Estado e à Revolução de 25 de Abril de 1974 (com o Processo Revolucionário em Curso e com a consolidação do regime democrático). Para além de viabilizar um conhecimento mais multifacetado do conjunto do percurso e da influência de Marcello Caetano em Portugal, a referida abrangência facilitará a compreensão das próprias incidências do seu consulado como dirigente máximo do Estado Novo. Talvez as aparentes ou as efectivas contradições — entre tole-
rância no plano pessoal e intransigência ideológica no plano cívico, entre modernização e conservadorismo, entre abertura política e autoritarismo ou totalitarismo — e indefinições (quanto à integração de Portugal na CEE, quanto ao futuro do regime, quanto à evolução dos “territórios não autónomos”) do marcelismo tenham, afinal, decorrido, também, da permanência dos valores e propósitos assumidos pelo biografado desde as décadas de 1920 e de 1930. Reconhecendo, embora, que a generalidade das categorias teóricas adoptadas no âmbito da historiografia e de outras ciências sociais apresenta virtualidades e limitações, que os conceitos escolhidos por Francisco Martinho correspondem aos mais elevados padrões de exigência, não deixo de considerar que maior objectivação e operatividade decorreriam da mobilização de categorias teóricas de natureza dialéctica. Isto é, de conceitos que permitam, ao mesmo tempo, identificar características estruturantes, contextualizar — nos planos nacional e internacional — a respectiva aplicação e comparar com fenómenos similares ocorridos em diferentes países e épocas. Partir-se-ia, então, de uma interpretação abrangente das categorias teóricas de fascismo e de totalitarismo.