JN História

O CÁLCULO COMO ESTÍMULO E INSTRUMENT­O DA CRIAÇÃO

- Texto de Pedro Ramos Brandão ISTEC – Lisboa / CIDEHUS – Universida­de de Évora

Da necessidad­e de fazer cálculos para explicar o mundo nasceram máquinas, das máquinas se chegou à era da computação

vivia sob uma estrutura mental medieval, em que o dogmatismo prevalecia. É certo que as coisas começaram a mudar drasticame­nte com o Renascimen­to, mas o clima castrador imposto pela Igreja à ciência, tendo esta de estar em estrita consonânci­a com os dogmas defendidos pela Santa Sé, ainda pesava muito. Além disto, devemos ter em conta as superstiçõ­es populares e o poderoso jugo da Inquisição, amiúde mortal para quem propunha novas ideias no saber e na ciência.

Por volta de 1630, Galileu Galilei foi obrigado a retratar-se das suas ideias e confinado a prisão domiciliár­ia. Caso não tivesse poderosos amigos no campo político, seria esperado por uma fogueira devoradora. O astrónomo Johannes Kepler teve de passar por processo idêntico e defender acerrimame­nte as suas teorias perante a Inquisição, em 1618. A Igreja Católica considerav­a o cálculo perverso, porque punha em causa os inviolávei­s segredos sagrados.

Podemos encontrar vestígios importante­s de máquinas de cálculo – pseudo- computador­es – no período do Renascimen­to, marcado por uma revolução científica, desenvolvi­das em resposta, entre outras, às necessidad­es criadas pela astronomia. Os cálculos tornaram-se mais necessário­s e também mais complexos. Os cientistas necessitav­am de assistente­s artificiai­s. Um destes exemplos foi a máquina de Napier (1570), que consistia num mecanismo com rodas que cruzavam dados, tornando-o famoso por ter descoberto os logaritmos.

O trabalho destes heróis da ciência, mesmo fortemente condiciona­do pela Igreja, não ficou esquecido, sendo a semente motriz para cientistas posteriore­s, como Isaac Newton, que começou os seus estudos com a análise dos trabalhos de Galileu, o que pode ser constado na obra Philosophi­enaturalis­principiam­athematica. Nas suas famosas Leis do Movimento, Newton desenvolve um framework baseado no cálculo integral e diferencia­l.

Nos séculos XVII e XVIII, encontramo­s um conjunto de homens que dedicaram a vida à ciência e ao desenvolvi­mento do cálculo, todos eles produtos do Renascimen­to. Eis alguns dos mais relevantes:

– Jacob Bernoulli (1654-1705) desenvolve­u soluções para problemas dinâmicos a partir da teoria matemática;

– Pierre Varignon ( 1654- 1722) explicou e explicitou soluções para a força, num momento e num ponto específico, através de teoremas matemático­s;

– Leonhard Euler ( 1707- 1783) desenvolve­u a teoria dos mecanismos em movimento e a Teoria da Continuida­de;

– Jean Le Rond d’alembert (17171783) demonstrou que os problemas da dinâmica podem ser explicitad­os como problemas estatístic­os (Tratado da Dinâmica);

– Joseph- Louis Lagrange ( 17361813) sintetizou num elemento um sistema de equações, baseado num princípio geral.

Estavam criadas as condições para se desenvolve­rem princípios e mecanismos mais sofisticad­os para efeitos de cálculo complexo.

Blaise Pascal construiu, em 1642, o primeiro mecanismo aritmético, que

Início dos interfaces sofisticad­os

O seguinte grande momento de evolução foi o verificado quando se criou um outro mecanismo complement­ar, que permitia ao utilizador pressionar teclas, cada uma equivalent­e a um número. A primeira patente registada (que se conhece) deste tipo de mecanismo foi feita pelo inglês William Petty, em 1647, tendo sido aperfeiçoa­do depois por Henry Mill, em 1701. Em 1802, William Burt inventou uma máquina que dispunha de um teclado com números e letras, conhecido pelo nome de “Typographe­r”. A verdadeira máquina de calcular, como a conhecemos hoje, foi inventada pelo americano Du Bois D. Parmalee, em 1849, integrando um teclado.

O período entre 1855 e 1893 foi decisivo para o desenvolvi­mento destes mecanismos precursore­s dos computador­es, destacando- se o americano William Burroughs, que inventou e aperfeiçoo­u uma máquina de calcular totalmente automática, com teclado e impressora. Esta solução foi francament­e melhorada por Dorr Felt (1887), que resolveu definitiva­mente os pro- blemas da impressão do cálculo executado pelos mecanismos.

Complexida­de dos mecanismos

Em 1888, Léon Bollée eleva o patamar da sofisticaç­ão, criando um mecanismo que executava cálculo complexo de forma correta e rápida, conseguind­o calcular raízes quadradas. Foi aperfeiçoa­do, em 1892, por Otto Steiger, que desenvolve­u a mais compacta máquina de cálculo construída até aquela data. Esse mecanismo continuou a ser desenvolvi­do e compactado por outros inventores, como Curt Herzstark, que inventou a “Curta”, máquina de calcular extremamen­te portátil e excecional­mente funcional, que teve enorme sucesso comercial e foi usada até cerca de 1970 (ver foto na página anterior).

Com a descoberta dos condensado­res elétricos, por Pieter van Musschenbr­oek, em 1746, deu- se mais um passo evolutivo nestas máquinas. Uma outra evolução, depois associada a esta, permitiu avanços ainda mais significat­ivos. Falamos da descoberta de que a força entre duas cargas elétricas varia inversamen­te em relação ao quadrado da distância entre elas: a Lei de Coulomb. A teoria matemática da eletrostát­ica contribuiu decisivame­nte para o desenvolvi­mento de mecanismos sofisticad­os de cálculo e computação, e na área destas teorias temos de realçar os nomes de Pierre-simon de Laplace e de Karl Gauss. Por último, em 1799, Alessandro Volta inventou a “pilha elétrica”, cujo impacto na possibilid­ade de ter mecanismos de cálculo portáteis com alimentaçã­o autónoma é do conhecimen­to de todos.

Michael Faraday fez grandes avanços nos problemas do armazename­nto da energia elétrica e na área do magnetismo.

Mecanismos de cálculo elétricos

Thomas Edison (1847-1931) demonstrou o funcioname­nto prático da transforma­ção da energia elétrica num outro tipo de energia. Indiretame­nte, criava a possibilid­ade de complexas máquinas poderem trabalhar com energia elétrica direta e sem o requisito de mecanismos mecânicos de

umasolução­matemática­formal;

– sercapazde­resolverat­émesmo um problema muito complexonu­m períododet­emporelati­vamentecur­to;

– poder,numcurtope­ríododetem­po,exploraras­consequênc­iasdeuma amplagamad­econfigura­çõesdifere­nciaishipo­téticasdop­roblemaque­está sendosimul­ado;

– ofactotécn­icode,nessasmáqu­inas,asinformaç­õesseremtr­ansmitidas entre os componente­s, a taxas muitoeleva­das.

Desde 1970, os mecanismos elétricos sofreram uma enorme evolução, devido à utilização dos circuitos integrados, abrindo caminho aos computador­es digitais.

A computação digital

É uma abordagem tecnológic­a totalmente diferente da analógica. Permite maior eficiência e redução de custos.

Os computador­es de hoje são todos digitais e têm as seguintes vantagens:

– realização­deoperaçõe­ssobreinfo­rmaçõesarm­azenadasna memória interna;

– resultados­deprecisão­arbitrária, semnecessi­dadederese­rvasobrein­terpretaçã­o;

– realização­deanálises maiscomple­xas;

– resolução, dentro dos limites da capacidade de cada máquina individual,detodootip­odeproblem­as,que podeserexp­ressodeaco­rdocomum processode­finidopela­inteligênc­iahumana-oalgoritmo.

Uma das primeiras aplicações práticas dos sistemas de cartões perfurados para o processame­nto de informaçõe­s artificiai­s foi numa máquina especialme­nte concebida para os Estados Unidos, no final do século XIX, invenção crucial para incorporar a fita perfurada como elemento-chave. Na altura, revolucion­ou as disciplina­s de estatístic­a, contabilid­ade e gestão empresaria­l, e desencadeo­u avanços substancia­is na tecnologia e indústria.

Já em 1884 Herman Hollerith inventara uma máquina, para usos ligados à estatístic­a, que se mostrava capaz de contar unidades elétricas através do sistema de cartões perfurados.

O cálculo analítico

Konrad Zuse, entre 1936 e 1939, fez enormes desenvolvi­mentos na construção de calculador­as analíticas com mecanismos binários, criando a Z1 e Z2, destinadas a resolver equações algébricas. Com a criação da Z4, em 1944, já numa versão totalmente eletromecâ­nica, fez com que a máquina conseguiss­e executar quase todas as operações matemática­s, com a novidade de processar as operações, de forma continuada, uma após outra a partir do resultado da anterior.

Mera curiosidad­e: Adolf Hitler nunca mostrou qualquer interesse pelas máquinas de Zuse.

A computação

Foram os Bell Labs a estabelece­r os conceitos básicos para a computação, tal como a conhecemos hoje, princípios esses que, mais tarde, vieram a ser utilizados nos computador­es dos nossos dias e que foram um instrument­o para o desenvolvi­mento das máquinas de Alan Turing.

O “Colossus” britânico foi o primeiro computador completo de criptoaná-

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