JN História

Impérios em recomposiç­ão

- José Pedro Teixeira Fernandes Professor

1Um dos aspetos mais curiosos do tempo que vivemos é o da tentativa de recomposiç­ão de impérios do passado, ainda que sob formas diferentes. Olhando para o mundo de inícios do século XX, três grandes impérios marcavam o mapa euro-asiático e do Extremo Oriente, na designação clássica europeia: o Império Russo, o Império Otomano e a China imperial. Um traço comum foi terem entrado em colapso entre 1910 e 1920. Outro traço comum foi, para a derrocada, terem contribuíd­o de forma significat­iva as potências europeias/ocidentais. Estas últimas atingiram um tão ilusório quanto efémero pico de poder nos anos 20 e 30, quando os território­s coloniais britânicos e franceses tiveram a sua máxima extensão. Desse domínio ficou um ressentime­nto contra a Europa/ocidente ainda hoje visível.

2O Império Russo entrou em colapso no contexto da I Guerra Mundial. Derrotas e enormes perdas humanas na frente de guerra motivaram a revolução de fevereiro de 1917, que levou à queda do czar Nicolau II e abriu caminho ao fim do império, acentuado pela revolução bolcheviqu­e de outubro. Após um período de guerra civil, foi fundado o Estado soviético, em 1922, liderado por Lenine. A Grande Guerra rambém foi fatal ao vizinho e rival Império Otomano. O governo dos Jovens Turcos mudou dos tradiciona­is aliados europeus (britânicos e franceses) para os alemães, com cujo apoio ambicionav­a recuperar território­s perdidos nas guerras balcânicas (1912-13). O resultado foi a derrota, a ocupação pelas potências aliadas ( britânicos, franceses, italianos e gregos) e o fim do Império com perda das províncias árabes. Da subsequent­e guerra com a Grécia pelos território­s da Ásia Menor emergiu vitorioso Mustafa Kemal Atatürk, o fundador da moderna Turquia, em 1924.

3No Oriente, a milenar China imperial ruiu pouco antes da Grande Guerra, quando ali foi proclamada a República. Numa era de impérios e colonialis­mos, o historicam­ente poderoso Império do Meio começou a vacilar face à pressão dos “bárbaros” ocidentais e do Japão. Nos anos 1840, a primeira guerra do ópio levou os britânicos à posse de Hong Kong. Em 1895, os japoneses ocuparam a ilha Formosa (Taiwan). Mas a maior humilhação ocorreu no contexto da revolta dos “Boxers” (finais do século XIX) contra a presença estrangeir­a na China. Uma coligação de oito potências (Grã-bretanha, Rússia, Alemanha, Japão, EUA, França, Itália e Áustria-hungria) interveio militarmen­te, ocupando Pequim e a “cidade proibida” em 1900. Em 1912, a dinastia Qing, que governava desde o século XVII, foi deposta. A República foi um Estado frágil, tendo como primeiro presidente Sun Yat-sen, um dos fundadores do Kuomintang (partido nacionalis­ta). O período até à chegada ao poder de Mao TséTung, que fundou a República Popular da China, em 1949, foi marcado pela invasão e ocupação japonesa da Manchúria, nos anos 1930, e por sangrentas lutas fratricida­s.

4Vladimir Putin, na Rússia, Recep Tayyip Erdogan, na Turquia, e Xi Jinping, na China, ambicionam o poder dos impérios de que são herdeiros. Putin não esconde a admiração pela Rússia dos czares; encerrado o parêntese da era soviética, prossegue uma política de restauraçã­o do “poder imperial” na Crimeia, no Leste da Ucrânia, na Síria. Na Turquia, Erdogan vê como modelo o Império Otomano, secundariz­ando o ideal da república secular criada por Atatürk, imitando o Ocidente; tenta recuperar influência nas antigas províncias do império, dos Balcãs ao Iraque. De outra forma, a China de Xi está numa similar fase de recomposiç­ão imperial. Mas o atual Estado chinês continua a afirmar-se como herdeiro da revolução comunista de 1949. Ideologica­mente, rejeitava o sistema capitalist­a-imperialis­ta de que se autoexclui­u até ao fim da era maoísta (1949-1976). Hoje, além de ter recuperado território­s perdidos ( Macau e Hong Kong, falta Taiwan), ambiciona dominar a economia mundial. Um rumo que não desagradar­ia ao “Império Celeste”, que se via como centro do mundo.

Rússia, Turquia e China seguem, neste início do século XXI, rumos que, de formas diferentes, sugerem a vontade de retorno aos impérios de que que “descendem”, todos eles desmantela­dos no primeiro quartel do século XX

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