“Desbloquear carreiras da função pública é da mais elementar justiça”
Provedor de Justiça diz que Segurança Social está “francamente melhor”.
Em fim de mandato, José de Faria Costa passa em revista os temas que mais têm dado origem a queixas dos cidadãos. A Segurança Social e o Fisco continuam a ser as “estrelas”, mas o Provedor admite que contabilizou melhorias ao longo dos seus quatro anos no cargo.
No próximo mês termina o seu mandato. Em quatro anos ficou surpreendido com a dinâmica e o tipo de queixas que lhe apareceram?
Quem está nestes lugares deve ter sempre a ingenuidade primeira para se surpreender. Em muitas coisa fui surpreendido. Entrei num momento em que Portugal estava a viver uma fortíssima situação de crise económicae financeira. Em2016 recebi 38 mil solicitações e 6.800 deram a abertura de um procedimento. O universo que vem ter com o Provedor é multifacetado, cheio de angústias e de pequenas ou grandes injustiças.
Fica com a ideia que era necessário um Estado mais justo, perante os casos concretos que lhe chegaram?
Obviamente que sim. A justiça é talvez o valor supremo de umacomunidade. Não estou a dizer que o Estado sejaum mar de injustiça. O relacionamento do cidadão com o Estado não é umarelação de absolutaamizade. Há sempre conflitualidade e é aí que o Provedor tem de actuar.
A Segurança Social e a Autoridade Tributária continuam a ser estrelas das solicitações que lhe chegam?
A Segurança Social e a fiscalidade são as partes daadministração central que mais suscitam dúvidas e problemas ao cidadão. O que se compreende. Porque a Segurança Social é umesteio dacoesão social e, nomeadamente em tempos de crise, o cidadão espera que o Estado compense. E os recursos são escassos.
Notou alguma melhoria nestes últimos anos?
Sem dúvida. Não é a resposta desejável em todos os sentidos, mas é uma resposta que em termos gerais está francamente melhor.
Já tem números relativos ao iní- cio deste ano?
Estão em linha com os anos anteriores. A média é idêntica e penso mesmo que poderá haver um ligeiro aumento das solicitações em 2017. Estes primeiros seis meses já me dão a possibilidade de poder projectar esse movimento ascendente.
Considera que o facto de estarem a ser dados mais poderes ao Fisco, tem vindo a originar um maior número de queixas?
O ter mais ou menos poder – e aqui faço umareflexão global e não só sobre o Fisco – não tem tanto a ver com o número de queixas. Porque se eu tiver poder e o exercer de forma eficiente, eficaz, imparcial e igualitária, os cidadãos ficam satisfeitos.
Isso acontece no Fisco?
Tenho de acreditar que sim. Como cidadão e Provedor, não posso desconfiar das instituições . Tenho lutado sempre e continuarei a lutar paraque o Estado deixe de ser umEstado desconfiado para passar aser um Estado de confiança. E muitas vezes o Estado tem perante os seus cidadãos uma relação de desconfiança.
Então qual é o problema com o Fisco?
É que justamente isso nem sempre existe. Nas situações concretas obviamente que há problemas, muitas vezes há erros, a máquina não funciona bem, há atrasos e o contribuinte queixa-se ao provedor. E queixase por interpretações erróneas, que o Fisco faz de uma norma, queixa-se por exemplo por situações bizarras…
Quais são as principais queixas em relação ao Fisco?
Sobretudo nos atrasos dos reembolsos.
Atrasos este ano?
Estou a falar de 2016. Mas não muda nestes primeiros seis meses. O problema da tributação conjunta, o problema das indemnizações. Esta última é uma situação concreta que não tem a ver com confiança ou desconfiança. Alguém recebe por uma qualquer circunstância uma indemnização forte num determinado ano, que vai aumentar o seu património desse ano de forma substancial e o Fisco aumenta-lhe a taxa fazendo com que ele tenha de pagar um IRS enorme, quando efectivamente isso não resulta de nenhum aumento extraordinário resulta do que ele devia ter recebido e não recebeu. Tenho estado em cima desses problemas. A sua taxa de sucesso é elevada? Não queria ir tão longe. Os dados estão aí, a comunidade que possa ver o que foi feito. José de Faria Costa lembra que “é profundamente frustrante” que qualquer pessoa que apostou numa carreira, não veja a possibilidade de subir. Já no subsídio de desemprego, não vê, para já possibilidade de subidas.
A Provedoria tem vindo a alertar para o abuso da precariedade no Estado. As medidas em curso vão ao encontro das queixas que tem
recebido e daquilo que considera adequado? Penso que sim. Acompetência do Provedor é meramente reactiva, mas posso sugerir melhoramentos, mesmo da própria lei, com chamadas de atenção ao Parlamento. Todavia, não é o papel do Provedor fazer política no sentido de se intrometer nas decisões do poder político. É aí, na aplicação prática, que a minha voz tem de se fazer ouvir.
“Tenho lutado sempre e continuarei a lutar para que o Estado deixe de ser um Estado desconfiado para passar a ser um Estado de confiança.”
“Desbloquear as carreiras da função pública é da mais elementar justiça”
“No curto prazo penso que não temos alternativa na prestação [do subsídio de desemprego].”
“O Estado, ao ser interventivo, não tem de ser invasivo.”
No caso dos professores, por exemplo, chegou a fazê-lo.
Cheguei a fazê-lo, se me permitem com êxito, porque houve sensibilidade do poder político para perceber que a situação era injusta.
Acha da mais elementar justiça o desbloqueamento das carreiras na Função Pública. Ao longo destes anos, imagino que tenha tido também queixas neste sentido.
Claro que sim. Quem começa a sua vida e está numa carreira espera, legitimamente, chegar ao topo com o seu esforço e a sua dedicação. Tenho exemplos disso, de forma veemente e tocante, em colegas mais jovens universitários. É profundamente frustrante que qualquer pessoa que apostou numa carreira, não veja a possibilidade de subir.
Mas tomará posição sobre isso?
Eu não tenho que tomar posição. É tão evidente. Está tanto na natureza das coisas, que não tenho de tomar posição. Como princípio geral acredito que não haja ninguém de boa-fé que possa dizer o contrário daquilo que eu estou a salientar.
Uma outra área em que houve uma intervenção da sua parte foi na limitação dos cortes ao subsídio de desemprego. Há agora um travão e a prestação não pode baixar abaixo de um determinado limite.
E isso foi resultante de uma intervenção minha e depois o Parlamento aceitou.
Mas com esta alteração o subsídio de desemprego é uma prestação adequada ou, na sua opinião, são ainda necessárias outras alterações?
Vivemos um tempo de total in- certeza, mesmo sobre o que é o Estado e o que devem ser as prestações do Estado. Por todo o mundo hoje se discute, de uma forma intensíssima, não só sob o ponto de vista económico, de que maneira o Estado deve ver a relação com o seu concidadão. O Estado ao ser interventivo não tem de ser invasivo. E nessa intervenção discute-se precisamente qual o tipo de prestação que o Estado pode dar. Nós, antes de fazermos as coisas devemos pensar e reflectir maduramente que modelo queremos para os nossos filhos e os nossos netos. Eu tenho para mim que a ideia do subsídio é uma boa ideia. Não é tanto a ideia de controlar a forma como esse subsídio é utilizado. Porque aí estamos a cair mais uma vez num Estado paternalista.
Aí é uma visão olhando para o futuro. Mas em relação aquilo que temos neste momento? O que temos é ou não adequado? Temos de fazer alterações no curto prazo?
No curto prazo penso que não temos alternativa. Está-me a falar no quantitativo?
Sim, na prestação que temos.
Na prestação não temos alternativa. Mas seria arriscado da minha parte, ou até absolutamente ousado e petulante, eu meter-me a fazer contas daquilo que não sei. Porque obviamente não conheço a realidade económico-financeira e seria de uma petulância e arrogância intelectual que não está no meu feitio.