Incêndios: “Não me parece que deva actuar, mas estarei atento”
O Provedor de Justiça considera que o trabalho que está a ser feito pelo Parlamento e pelo Governo não justifica que ele próprio intervenha no cado do incêndio de Pedrógão Grande. Mas avisa que se manterá atento.
Um sentimento de “dor profunda” por “ainda não termos, pelo menos minimamente resolvido este problema”, lamenta José de Faria Costa, a propósito dos incêndios que mais uma vez assolaram o país, este ano com consequências particularmente trágicas pelo elevado número de vítimas.
Face à situação que se registou agora, nos incêndios em Pedrógão Grande, pondera vir a abrir um procedimento de iniciativa própria?
Neste momento ainda estou debaixo de uma situação de estupor. Estou ainda tocado profundamente, chocado com aquilo que se passou em Pedrógão. Racionalmente tento fazer um esforço enorme de compreensão. Mas antes disso, lamento profundamente todas as vidas perdidas e todos os bens perdidos. E também aqui o meu sentimento é um sentimento de alguma dor profunda de nós ainda não termos, pelo menos minimamente, resolvido este problema.
O que acaba de dizer justifica uma iniciativa nesse sentido, ou não?
Não necessariamente porque se – e penso que as coisas se encaminham nesse sentido – eu vir que a administração, o Parlamento, estão empenhados na descoberta das causas de tudo o que aconteceu, não me parece que o provedor deva actuar. Se vejo que todas as instâncias do poder, nomeadamente a partir do Parlamento, a partir do próprio Governo, estão empenhadas na desco- berta das causas, eu enquanto Provedor tenho que considerar que estão a ser reunidas todas as condições para que a verdade seja descoberta.
E isso está a acontecer neste momento?
Tenho informação que qualquer uma das senhoras tem….
Mas daquilo que lhe é possível constatar?
Daquilo que me é possível perceber vejo que da parte do Parlamento há claramente uma vontade de criar uma comissão, por parte da administração a mesma coisa. Agora isso não nos impede de enquanto cidadãos e isso é um direito fundamental de cidadania de estarmos
atentos para que isso efectivamente aconteça. E eu estarei atento.
Neste momento há uma situação que envolve os magistrados e o Ministério da Justiça em relação ao estatuto e há possibilidade de uma greve de juízes em Agosto que poderá prejudicar as eleições autárquicas. Gostaríamos de saber a sua opinião sobre esta eventual greve dos magistrados.
O provedor não deve nem pode intrometer-se na luta político-partidária. Tem sido essa sempre a grande força do Provedor – o Provedor exerce um magistério moral, ético-moral sobre a sociedade e não pode nem deve intrometer-se na luta político-partidária.
Porque na verdade o que está aqui em causa é o facto de
uma greve poder interferir no processo das eleições autárquicas. No bom funcionamento das instituições.
Em relação ao bom funcionamento das instituições evidentemente o Provedor estará atento, mas julgo que muito antes de mim outros órgãos de soberania estão muito mais atentos e devem estar muito mais vigies do que o próprio Provedor. Porque evidentemente isso é um problema central da própria democracia.
Voltando ao início da nossa conversa, ocorre-me perguntar se o Provedor de alguma forma deverá pronunciar-se sobre matéria sensível, mais exactamente sobre eutanásia?
Esse é um outro problema. Ou seja, se o Provedor deve participar de uma forma activa na produção legislativa. Isso tem duas vertentes. Por um lado, deve auxiliar na medida do possível o melhoramento das leis, e isso é bom, mas tem o reverso da medalha. É que se o Provedor fica tão engajado à produção legislativa mais tarde vai ter alguma dificuldade em manter a independência e em manter a distância. Portanto, é sempre uma decisão muito, muito muito complexa. Isto é, na verdade o Provedor deve ser pró-activo e deve estar a acompanhar o sentido da sociedade.
Mas pode defender ou apoiar um referendo, ou tomar alguma posição sobre um referendo, que já é uma situação diferente?
Não. Na minha óptica não. O Provedor não deve, não deve tomar posição sobre isso, porque essa é uma discussão político-partidária. A existência ou não de um referendo é uma discussão político-partidária e aí o Provedor não deve tomar posição.
“Se o Provedor fica engajado à produção legislativa, mais tarde vai ter dificuldade em manter a independência.”
“O Provedor exerce um magistério ético-moral sobre a sociedade.”