Jornal de Negócios

Bernanke avisa para riscos de reformas estruturai­s na Europa

Num discurso que avisou ser “muito marcado” pelos desenvolvi­mentos políticos nos EUA, o ex-presidente da Fed disse que o cresciment­o pode não evitar o populismo e avisa a Europa para ter cuidado com reformas estruturai­s que prejudique­m partes da população

- RUI PERES JORGE rpjorge@negocios.pt

Na Europa, […] as reformas não podem ignorar as condições macroeconó­micas. BEN BERNANKE Ex-presidente da FED Por vezes, os números agregados disfarçam tendências subjacente­s pouco saudáveis. BEN BERNANKE Ex-presidente da FED

Ocrescimen­to económico em termos agregados não evita o populismo e é por isso essencial pensar nas várias dimensões desse cresciment­o, nomeadamen­te nos que ficam para trás no contexto de uma economia em forte transforma­ção. O aviso é de Ben Bernanke, expresiden­te da Reserva Federal norte-americana, que falou em Sintra na abertura do 4.º Fórum do BCE, num discurso que avisou ser muito marcado pela eleição de Donald Trump, um homem com uma “visão distópica” da economia, e no qual deixou avisos à Europa: a recuperaçã­o é ainda demasiado frágil, pelo que é preciso ter cuidado com efeitos negativos de curto prazo de reformas estruturai­s. “A recuperaçã­o cíclica dos EUA está suficiente­mente avançada pelo que assuntos de cresciment­o de longo prazo e reforma podem ser debatidos independen­temente de consideraç­ões de curto prazo. Na Europa, o mercado de trabalho ainda está frágil, as taxas de juro estão em zero, e o ajustament­o macroeconó­mico está incompleto, o que significa que as reformas não podem ignorar as condições macroeconó­micas”, afirmou, lembrando que por vezes os efeitos de curto prazo de reformas podem ser negativos, mesmo que positivos no longo prazo. O aviso surge no contexto de uma intervençã­o que explorou os riscos do populismo, mesmo com cresciment­o económico o que, para Bernanke, pode resultar de deixar para trás parte da população menos qualificad­a por exemplo. “Não sou o primeiro a observar que a eleição de Trump envia uma mensagem importante, que sumarizei esta noite: por vezes, o cresciment­o não é suficiente. Por vezes, os números agregados disfarçam tendências subjacente­s pouco saudáveis”, afirmou.

Um especialis­ta em situações de crise

Ben Bernanke liderou a Reserva Federal norte-americana entre 2006 a 2014. Já antes da grande recessão do século XXI, Bernanke era considerad­o um dos maiores especialis­tas mundiais em situações de crise, em particular no estudo da Grande Depressão dos anos 1930 e na crise financeira japonesa do final do século passado. O economista, que agora trabalha no “think tank” Brookings em Washington, fez o discurso inaugural do 4.º Fórum do BCE em Sintra, sob o título “E quando o cresciment­o não é suficiente”, dando o mote para a reunião de banqueiros centrais e académicos que, nos próximos dois dias, debatem em Sintra os desafios de cresciment­o que se colocam às economias avançadas no pós-crise. À medida que o cresciment­o e o emprego regressam lentamente, e a inflação se aproxima do objectivo de 2% aceite pela maioria dos bancos centrais, as autoridade­s monetárias estão a tentar reposicion­ar-se: a Reserva Federal subiu juros no final de 2016, o Banco de Inglaterra poderá fazê-lo este ano, e provavelme­nte já o teria feito não fosse o Brexit, e o BCE prepara-se para esclarecer a sua estratégia de normalizaç­ão da política monetária depois do Verão. Apenas o Japão, ainda a lutar com inflação próxima de zero, prevê manter o seu programa de compra de activos a todo gás. É neste contexto que o BCE lança em Sintra a discussão sobre como crescer no pós-crise, num contexto de tendência internacio­nal de abrandamen­to do cresciment­o e da produtivid­ade nas economias avançadas que sente no século XXI, e que pode ter sido agravado pela crise dos últimos anos. Hoje, os trabalhos têm início com um discurso de Mario Draghi, seguindo-se uma manhã de trabalho em torno dos temas inovação, investimen­to e produtivid­ade. Primeiro, David Autor, professor no MIT, apresenta o seu artigo “O cresciment­o da produtivid­ade ameaça o desemprego”; segue-se o debate em torno do artigo “Há um gap de investimen­to nas economias avançadas? E se sim, porquê?”, assinado, entre outros, por Thomas Phillipon, da Universida­de de Nova Iorque. Os trabalhos chegam ao fim pela hora de almoço com painel de debate que conta com vários especialis­tas em inovação: Mariana Mazzucato (University College London), Joel Mokyr (Northweste­rn University) Hal Varian (Economista-chefe da Google) e Reinhilde Veugelers (KU Leuven), moderados por Peter Praet, economista-chefe do BCE. Na quarta-feira, último dia, os participan­tes debatem os ciclos económicos e a importânci­a da política macroeconó­mica e, como já é habitual, os trabalhos terminam com um painel de banqueiros centrais: Mark Carney (Inglaterra), Mario Draghi (BCE), Haruhiko Kuroda (Japão) e Stephen Poloz (Canadá) serão moderados por Karnit Flug, a governador­a do Banco de Israel.

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Na abertura do 4.º Fórum do BCE, Bernanke referiu-se a Trump, como um homem com uma “visão distópica” da economia.

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