Campeões da desigualdade
A remuneração dos presidentes das empresas nacionais foi 25 vezes superior à dos restantes trabalhadores, em média, no ano passado. Mas, no caso mais díspar, ultrapassou as 130 vezes. É preciso reforçar a legislação no sentido de evitar abusos.
Pelo segundo ano consecutivo, Pedro Soares dos Santos, o presidente da Comissão Executiva (CEO) da Jerónimo Martins, lidera a tabela dos gestores de topo que mais ganham em relação à média dos restantes trabalhadores da empresa. E o fosso agravou-se significativamente, passando de 90 para 130 vezes. Na base desta discrepância está um aumento de 46,6% do seu salário global para €1 269 000, enquanto os restantes trabalhadores ganharam em média apenas mais 1,4% face a 2015. Ainda assim, não foi o gestor mais bem pago. A remuneração (fixa e variável) de António Mexia, da EDP, totalizou mais de 2 milhões de euros, o que o põe em primeiro lugar em valores absolutos e à elétrica nacional em segundo na lista das empresas com maior disparidade salarial (49,5 vezes em relação aos restantes trabalhadores). Das empresas que analisámos, em 11 a disparidade salarial entre quem ganhou mais e a média dos trabalhadores foi superior a 20 vezes. Além da Jerónimo Martins e da EDP, foram os casos da Sonae, CTT, Galp Energia, Semapa, Mota-Engil, Navigator, NOS, BPI e Novabase (veja o quadro ao lado). Em média, este rácio foi de 25 vezes, ligeiramente inferior ao registado em 2015. A explicá-lo está o facto de o total das remunerações pagas aos CEO em 2016 ter baixado 6,2% face a 2015, o que pode ser um bom sinal. A nossa análise foi feita com base na informação disponível nos Relatórios e Contas de 2016 das 21 empresas nacionais cotadas em bolsa e que são seguidas pela PRO- TESTE INVESTE. Comparámos a remuneração do presidente da Comissão Executiva face à média dos restantes trabalhadores da empresa, bem como a forma como essa remuneração é atribuída e se está ou não sujeita ao escrutínio efetivo dos acionistas. A Pharol e a Sonae Indústria não divulgaram informação suficiente para que este rácio pudesse ser calculado.
Portugal não é dos casos piores
Apesar de em Portugal a disparidade salarial ser elevada, há vários países em que o rácio médio entre a remuneração do presidente da Comissão Executiva e a dos restantes trabalhadores é superior a 100 vezes. Pior ainda é o facto de o fosso se ter vindo a agravar continuamente. Nos EUA, enquanto o salário médio dos trabalhadores pouco mais do que duplicou de 1990 a 2015, segundo dados da OCDE, o dos executivos de topo multiplicou-se por quase nove vezes (dados da Forbes). Obviamente que é aceitável e até desejável que, num mercado livre, empregadores e empregados façam acordos entre si e que os profissionais mais qualificados e que assumem maiores responsabilidades sejam compensados por isso. No entanto, não é compreensível que, nas sociedades cotadas e para os cargos em que não existem acordos de trabalho, como é o caso dos administradores, as remunerações sejam definidas sem que haja um verdadeiro empregador. Neste caso, deverão ser os acionistas a definir valores ou a estabelecer limites para as remunerações.
Decisão tem de ser dos acionistas
A política de remunerações carece do voto vinculativo da assembleia geral de acionistas, desde uma alteração legislativa ocorrida em 2009. A ela – ou a uma Comissão de Remunerações nomeada por ela – compete fixar o rendimento a ser pago aos membros dos órgãos sociais. É preciso também submeter, anualmente, à aprovação uma declaração sobre a política de remuneração dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização. Contudo, o que se verifica é que, na maioria dos casos, a declaração sobre a política de remunerações que é submetida ao voto dos acionistas é muito vaga. Não permite que a remuneração dos membros do conselho de administração seja votada de forma exata e individualizada, como defen- de a PROTESTE INVESTE.
Independência nas decisões
Há apenas algumas exceções (BPI, EDP, Novabase e REN), com destaque para a Novabase, em que, na declaração da política de remunerações votada em assembleia geral, está explicita a remuneração fixa e variável de cada administrador. Este parece-nos um exemplo a seguir, porque são os acionistas que decidem efetivamente a remuneração dos seus administradores. Outra falha importante é o facto de haver várias empresas nacionais (Corticeira Amorim, Galp Energia, Mota-Engil, Navigator, NOS, Semapa, Sonae Capital e Sonae Indústria) em que a Comissão de Remunerações não é composta exclusivamente por membros independentes, apesar de esta ser uma das recomendações da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. É uma situação difícil de compreender. De facto, é questionável a capacidade de isenção de quem tem de decidir sobre a remuneração de um familiar, como acontece, por exemplo, na Sonae Capital, ou de quem já teve ou ainda tem uma ligação contratual à empresa. Logo, é preciso assegurar, através da lei, que os membros da Comissão de Remunerações sejam independentes dos órgãos sociais e que as suas propostas não sejam influenciadas por quaisquer outros interesses. Se os salários dos administradores não forem controlados e decididos pelos acionistas, corre-se o risco de a gestão da empresa ser menos responsável. Encoraja-se a absorção da riqueza em vez de a criar.