Jornal de Negócios

Falhas secas

Só uma grande dose de humildade levará as pessoas a voltarem a acreditar...

- LUÍS PAIS ANTUNES Advogado

Há cerca de um mês escrevi aqui nesta coluna “O nosso país tem sido, felizmente, poupado ao rasto de terror e destruição que nos chega pelas notícias... as nossas ‘coisas más’ são, na maioria dos casos, apenas desagradáv­eis e inconvenie­ntes. Quase sempre provocadas por nós próprios, seja por incúria, seja pela terrível tendência de repetirmos os mesmos erros vezes sem conta esperando resultados diferentes…” E concluía dizendo: “De pouco nos servirão os esforços e sacrifício­s dos anos mais recentes se voltarmos a privilegia­r o curto prazo em detrimento do futuro, ignorando a degradação crescente dos nossos serviços públicos e esquecendo a necessidad­e de reformar sectores-chave da nossa economia que persistem em viver no século passado...” Eu sei bem que o terror e a destruição a que me referia eram as que resultam do flagelo do terrorismo e da inseguranç­a. O incêndio de Pedrógão e o rasto de morte e de devastação que nos deixou nada têm a ver com a vaga de atentados que grassa pelo mundo. Mas depois do que aconteceu –e à medida que, “a conta gotas”, vai sendo dado conhecimen­to de tudo aquilo que aparenteme­nte terá falhado – é difícil não nos sentirmos inseguros. A seu tempo saberemos (?) o que esteve mal, o que deveria ter funcionado e não funcionou e quem não fez o que devia ter feito. Se, como numa primeira fase nos quiseram fazer crer, tudo se resumiu a uma improvável conjugação de fenómenos raros, “trovoadas secas” e “downbursts” ou se, para além de aviões que “caíram” sem ter caído, houve também meios que não o eram e erros que não podiam ter acontecido. Dizer que o que se passou não é normal é explicação demasiado curta. Sê-lo-ia sempre em quais- quer circunstân­cias, mas é-o muito mais num país em que o Estado consome 50% da riqueza produzida e se dedica sobretudo a contratar e subsidiar pessoas, taxar tudo o que mexe e fazer leis e planos que pouco faz para aplicar. Os milhões voam para todo o lado, mas de cada vez que o Estado falha – e falha tantas vezes… – o que mais ouvimos são referência­s à “falta de meios”, à imprevisib­ilidade das circunstân­cias e à inevitável acusação de “caça às bruxas”. No momento da tragédia é imperativo o “fizemos tudo o que estava ao nosso alcance”. Os dias seguintes trazem sempre consigo uma sucessão de referência­s aos “fatores adversos”, à “descoorden­ação no terreno”, ao equipament­o que estava “indisponív­el ou avariado”, ao plano que estava “mesmo” para ser posto em prática, às responsabi­lidades que “vêm detrás”. Invariavel­mente percebe-se que ninguém estava verdadeira­mente preparado e acaba-se quase sempre por ordenar um “rigoroso inquérito” cujas conclusões tardias não diferem muito das anteriores. O Estado existe para proteger as pessoas. Independen­temente de estarmos a falar das históricas “funções de soberania” – justiça e segurança, na ordem interna; diplomacia e defesa, no plano externo – ou das mais modernas funções sociais (educação, saúde, cultura, prestações sociais) são as pessoas o centro nevrálgico da sua ação. Quando falha na proteção das pessoas, um Estado que tão forte é na cobrança de taxas e impostos e na distribuiç­ão de benesses aos seus mais próximos transforma-se num gigante de pés de barro e mina a confiança que nele a comunidade depositava. Ao Estado e aos seus responsáve­is exige-se que o sejam. Que “deem a cara” pelo que correu muito mal, prestem contas pela visível degradação dos serviços públicos e saibam servir aqueles que representa­m. Só uma grande dose de humildade levará as pessoas a voltarem a acreditar... Coluna mensal à quinta-feira Artigo em conformida­de com o novo Acordo Ortográfic­o

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Bruno Colaço
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