“Aumento de rendimentos só é sustentável com mais produtividade”
O país deve aproveitar o bom momento da economia para criar espaço orçamental e ganhar confiança dos mercados. Numa economia endividada, nunca se sabe quando o futuro se pode revelar mais difícil, defende.
RolfStrauch é membro do Conselho de Administração e Economista-chefe do Mecanismo Europeu de Estabilidade, o sucessor do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, que financiou 26 mil milhões de euros do resgate português eé o maior credor nacional. Strauch falou com o Negócios no final da semana passada e é um dos participantes no 4.º Fórum do BCE, em Sintra, que se dedicou ao debate sobre crescimento e investimento. E é exactamente sobre crescimento e produtividade uma das suas principais mensagens: Portugal precisa reformas que aumentem a produtividade e permitam suportar aumentos de salários sem perder competitividade.
Como credor, pensa que as agência de “rating” estão demasiado negativas quanto ao risco da dívida portuguesa?
Recentemente houve o reconhecimento do bom desempenho económico e orçamental. No entanto, é óbvio que a dívida portuguesa é ainda elevada. Estamos a monitorizar de perto. Numaunião monetáriaháduas formas de lidar com isto: seguir uma trajectóriaorçamental prudente e trabalhar no crescimento. Portugal deve usar o actual ambiente económico positivo para criar confiança de mercado e espaço orçamental.
Quão relevante é o crescimento desde a segunda metade do ano passado?
O sucesso português está em linha com o que vemos para Irlanda ou Espanha. Os desenvolvimentos desde meados de 2016 são liderados pelas exportações, e isto também é consequência de ganhos anteriores de competitividade. O aumento de consumo e investimento é em parte um desenvolvimento cíclico que foi provocado por medidas que o governo adoptou para estimular a procura. É importante garantir que isto é sustentável, e é por isso que é tão importante continuar com reformas que aumentem a produtividade. Portanto, a estratégia de rendimentos funciona, desde que não seja vista como a única estratégia de crescimento? O governo aumentou o rendimento do trabalho através do salário mínimo e do sector publico. Isso teve efeitos positivos numaperspectivasocial e também na procura, nomeadamente através daconfiança. Mas para ser sustentável não deve levar a uma perdade competitividade. Isso requer melhorias na produtividade.
Identificam perdas de competitividade em Portugal?
Os custos unitários de trabalho aumentaram nos últimos trimestres e houve uma pequena inversão na taxa de cambio efectiva comparada com a de períodos anteriores. Por isso o governo precisa de acompanhar a situação de perto.
O governo tem de ter cuidado, mas não está a correr riscos excessivos com estas políticas. É isso?
Para funcionar no longo prazo, precisa de crescimento de produtividade para manter a competitividade.
“Os custos de trabalho subiram e houve uma pequena inversão na taxa de cambio efectiva. O Governo precisa de seguir a situação de perto”.
Temos ouvido que o bom desempenho de Portugal é um resultado das reformas nos anos da troika. Acha que este é o ponto principal?
As reformas feitas durante o programa do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) foram muito importantes e colocaram Portugal no caminho certo. Precisa de equilibrar a economia para beneficiar de efeitos de confiança. E houve também reformas que aumentaram a competitividade. O efeito nas exportações fica muitas vezes evidente ao longo do tempo. No entanto, também temos de considerar que a Zona Euro como um todo evidencia um momento de crescimento forte, o que dá um grande apoio.
As exportações estavam a ter um bom desempenho antes do programa de ajustamento. É difícil afirmar que se deve principalmente às reformas, ou não?
As medidas para melhorar a tecnologia e estimular as exportações antes da crise foram boas e ajudaram. Mas em cima disso houve claros efeitos de competitividade-preço conseguidos durante o programa de ajustamento que puxaram ainda mais pelo crescimento das exportações.
Que tenha conhecimento, não houve trabalho analítico que suporte afirmações sobre o impacto dessas reformas em Portugal ou noutros países. Ou temos?
Certamente que é necessária mais análise académica sobre os impactos destas reformas. Estes chegam muitas vezes com algum atraso. Mas da nossa perspectiva, quando olhamos para a experiência nos vários países sob programa, a ideia geral de que as reformas estruturais apenas têm efeito com muito atraso não parece correcta. Podem funcionar muito mais depressa quando olha, por exemplo, para o desempenho de Irlanda ou Espanha. O crescimento regressou em força com a implementação de reformas e a adopção nacional do programa após o processo de reequilíbrio da economia.
Em Portugal, o crédito malparado só começou a baixar 20 trimestres após o lançamento do programa de ajustamento. Como explica que o sector financeiro não tenha sido considerado um desafio de monta desde o início?
Não é justo dizer que o sector financeiro não foi considerado relevante ou um grande problema. A magnitude do problema na Irlanda ou em Espanha era maior. As dificuldades foram reconhecidas, e a evolução do malparado ao longo do programa tornaram-nas mais evidentes.
Diria que o sector financeiro era menos importante que as leis de trabalho? As alterações laborais ocorram nos primeiros seis meses a par com as medidas orçamentais. Isto parece um pouco surpreendente, não?
Portugal em 2011 tinha um pro-
blema claro de finanças públicas e de competitividade que tinha de ser enfrentado. Foi essencial agir muito depressa nestas áreas para inverter vulnerabilidades insustentáveis e reverter os desequilíbrios da economia portuguesa.
Como melhora a produtividade?
Precisa de melhorar o ambiente de negócios, aumentar o investimento produtivo que gera desenvolvimentos tecnológicos, e precisa de definir políticas adequadas de educação que aumentem as quali- ficações. Há passos concretos que podem ser dados para de forma a ter mais investimento. No caso de Portugal, isto significa certamente lidar com o malparado, e melhorar a situação do sector bancário. Isto facilitará o financiamento para as pequenas e médias empresas fortes e competitivas e o crescimento da produtividade. Procedimentos de insolvência eficientes, melhorias no sistema judicial e períodos de julgamento mais rápidos também permitirão lidar melhor com o malparado e melhorar o ambiente de negócios.