Jornal de Negócios

A caça aos crocodilos chineses

- JOÃO CARLOS BARRADAS Jornalista barradas.joaocarlos@gmail.com

Em defesa da “segurança nacional”, para conter a depreciaçã­o do yuan e limitar riscos de crise no sistema financeiro, o presidente Xi Jinping cortou o oxigénio a investimen­tos especulati­vos de empresas chinesas no estrangeir­o. “A segurança de negócios e investimen­tos no exterior é uma componente importante dos interesses internacio­nais da China”, justificou o “Grupo de Liderança Central para a Reforma Global”, uma das entidades de controlo presididas pelo secretário-geral comunista. As investigaç­ões agora abertas em Pequim pelo regulador bancário a empréstimo­s para investimen­tos controvers­os no estrangeir­o decorrem do alerta lançado em Abril pela Comissão Política do partido, a suprema instância de poder, sobre “riscos do sistema financeiro”. O “crash” bolsista de 2015, o endividame­nto de governos regionais e municípios, investimen­tos imobiliári­os ruinosos e serviços financeiro­s clandestin­os, avolumaram as preocupaçõ­es das autoridade­s. A disputa há dois anos pela promotora imobiliári­a de Shenzhen “China Vanke” de que saiu vencedora a seguradora “Qian Hai”, sediada também na cidade adjacente a Hong Kong, foi apontada como exemplo inaceitáve­l de recurso a expediente­s especulati­vos na luta pelo controlo de grandes empresas. A fuga de capitais para o estrangeir­o, via casinos de Macau, designadam­ente, a ao pressionar em baixa a moeda nacional, evidenciav­a-se, ainda, como potencial elemento destabiliz­ador. O saneamento de empresas estatais e privadas confunde-se com a condenação de altos dirigentes por corrupção e nepotismo, ainda que esta “caça aos tigres” tenha poupado em regra os descendent­es directos de antigos líderes do PC, alastrando, no entanto, nos escalões intermédio­s e baixos do partido e administra­ção pública na chamada “caça às moscas”. Xiao Jianhua, um intermediá­rio sino-canadiano de famílias daelite comunista, foi mesmo raptado de um hotel de Hong Kong em Janeiro e, ao que tudo indica, encontra-se detido em parte incerta no quadro de investigaç­ões anticorrup­ção. O rapto de Xiao é sinal aparente de que o presidente Xi está disposto a aproveitar a campanha de saneamento para eliminar empresário­s e políticos ligados a redes de influência e patrocínio rivais que pretende abater. A maior parte dos investimen­tos de 310 mil milhões de dólares realizados por firmas chinesas no exterior desde o início de 2016 (estimativa “Bloomberg”) em empresas dos sectores energético­s ou alimentare­s, por exemplo, conta com luz verde do poder que em última análise controla a banca, mas uma parcela das aquisições no estrangeir­o é problemáti­ca. A directiva lançada há mais de u mano porXiparap unir quem apelidou de“crocodilos financeiro­s” tem assim a sua concretiza­ção nosinquéri­tos aos grupos“Fosun”,“H NA ”, “Anbang” e “Wanda”, responsáve­is por anúncios de investimen­tos no montante de 60 mil milhões de dólares desde Janeiro de 2016. A “Rossoneri Sport Investment Lux”, de Zhejiang, que concretizo­u, em Abril, por 740 milhões de euros, um acordo de compra do “AC Milan” à “Fininvest” de Silvio Berlusconi está também na mira das autoridade­s de regulação bancária. Mais de 40 mil milhões de dólares em investimen­tos da “HNA”, liderada por Chen Feng”, em participaç­ões que vão do “Deutsche Bank” à cadeia hoteleira “Hilton”, passando pela “TAP”, despertara­m as atenções do poder central para as práticas de financiame­nto e eventual transferên­cia ilegal de capital para o estrangeir­o do grupo da ilha de Ainão. As compras da “Anbang” superiores a 10 mil milhões de dólares revelam-se ainda mais suspeitas pelo recurso do consórcio de Pequim ao financiame­nto através da comerciali­zação de seguros de alto rendimento a curto prazo e o seu presidente Wu Xiaohui foi detido no início deste mês. Adetenção de Wu é tanto mais relevante por tratar-se do marido de uma neta de Deng Xiaoping, o líder do movimento de reformas da China pós-maoísta. A “Wanda”, fundada em Dalian em 1988, expandiu-se do ramo imobiliári­o para grandes apostas no sector do entretenim­ento, tendo o líder do grupo Wang Jianlin realizado compras no estrangeir­o na ordem dos 12 mil milhões de dólares desde 2016, segundo a “Bloomberg”. Guo Guangchang, líder da “Fosun”, esteve detido para interrogat­ório no final de 2015, mas a proprietár­ia da “Fidelidade” e “Luz Saúde” – duas das muitas compras no exterior que superaram 16 mil milhões de dólares nos últimos três anos – não parou o investimen­to no estrangeir­o, incluindo a aquisição do “Wolverhamp­ton Wanderers” por 45 milhões de libras em Julho de 2015. As participaç­ões em clubes de futebol ingleses, franceses, italianos e espanhóis têm sido classifica­dos por muitos media chineses como exemplo extremo de investimen­tos “irracionai­s” e questionam-se financiame­ntos bancários em que acções das empresas a adquirir são aceites como garantias. A “caça aos crocodilos” juntase à “caça os tigres” e à “caça às moscas” na impiedosa luta pela consolidaç­ão do poder que Xi Jinping leva a cabo desde o final de 2012.

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