Jornal de Negócios

Um Legado que dá conversa

- EDGARDO PACHECO

O vinho simbólico para a família fundadora da Sogrape chegou à 6.ª colheita e não deixou as águas mansas. Uns acham que o tinto é perfeito e outros consideram que terá um perfil fora de moda. Ainda bem. Não há nada pior do que a pasmaceira.

Das colheitas iniciadas em 2008, só participei em duas cerimónias de lançamento do Legado – o tinto simbólico para todas as gerações da família Guedes, fundadora da Sogrape. Nos dois eventos fiquei com a sensação de que na embalagem do vinho faltava qualquer coisa. Até que, a 8 de Março – noite do lançamento do Legado 2013 –, ao trocar duas ou três frases rápidas com o “senhor Fernando Guedes” (que é como toda a gente trata carinhosam­ente o pai do actual administra­dor, que tem o mesmo nome), me apercebi daquilo que fazia falta: a biografia deste homem que recebeu do seu pai, Fernando van Zeller Guedes, uma empresa portuguesa e a transformo­u – com a visão dos filhos – num grupo internacio­nal com operações em Espanha, Chile, Argentina e Nova Zelândia. Hoje, a dimensão da Sogrape fica bem em discursos sobre a internacio­nalização da economia portuguesa, mas o que eu gostaria mesmo era ler ou ouvir as pequenas e as grandes histórias, os sucessos e os insucessos, bem como as previsívei­s peripécias que acompanhar­am a vida deste homem que, com 87 anos, nunca se esquece de meter humor no seu raciocínio. É chato para um jornalista só poder conversar com o patriarca da família em eventos institucio­nais e ouvir-lhe belas histórias contadas à pressa, ocorridas há dezenas de anos, e depois ficar com a curiosidad­e aos saltos. Em verdade, uma biografia à moda inglesa e não em registo delico-doce como por cá se pratica seria serviço público prestado à história. Seria outro legado da família Guedes. E a propósito da festa do 6.º Legado, a equipa da Sogrape esmerou-se nos detalhes simbólicos e revelou ousadia na criação da ementa do jantar. Se, por regra, as empresas le- vam os convidados a restaurant­es estrelados, a Sogrape convida chefes com estrela Michelin para espaços históricos da empresa, sendo que, desta vez, Rui Paula foi confeccion­ar – e muito bem – à Adega de Cavernelho, em Vila Real, o primeiro centro de vinificaçã­o do grupo, e onde nasceu, em 1942, o Mateus Rosé. Ao que se diz, o conceito do vinho surgiu ao fundador Fernando van Zeller Guedes numa noite de insónia quando este andava por Trás-os-Montes a comprar uvas e a tentar dormir em pensões higienicam­ente duvidosas. Ora, a ousadia deve-se ao facto de, para os dois pratos principais, terem sido apresentad­os vinhos estrangeir­os na noite de celebração de um vinho português. Se para lagostim o confronto entre um Riesling alemão e outro da Nova Zelândia (da Sogrape) foi relativame­nte equilibrad­o, o combate entre o Legado 2013 e um Domaine Mongeard-Mugneret, Grands-Echézeaux Grand Cru, Côtes de Nuits 2014 é que foi um risco mal calculado. E por três razões. A primeira é que quando um crítico de vinhos ouve falar num Pinot Noir da Borgonha – e este não é um Pinot qualquer – esquece tudo o que está à volta. A segunda é que, como vem nos livros, a combinação entre Pinot Noir e um magret de pato (o prato do jantar) é praticamen­te imbatível. E, terceira e mais importante razão, o Echézeaux 2014 é um vinho que dá gozo de beber já, enquanto o Legado, com mais um ano de vida, precisa de tempo de garrafa para revelar a sua riqueza. E isto porque, a meu ver, o que temos agora são notas intensas de carvalho novo no nariz e na boca. Vinco esta interpreta­ção mas saliento que, entre os presentes no jantar, a doutrina dividiu-se, o que é saudável. Um grupo maior achou o Legado 2013 perfeito, outro menor, no qual me incluía, rodava o copo à procura de outros pergaminho­s que, obviamente, o vinho tem – em particular a finura de boca impression­ante –, mas sempre com o carvalho a impor-se, de tal forma que Luís Sottomayor, criador deste e de outros ícones da Sogrape, sentiu necessidad­e de abordar o assunto. Como se sabe, a história das barricas dá pano para mangas, mas, se por um lado me parece que 24 meses de barrica nova é, hoje, excessivo e fora de tom (as notas balsâmicas e resinosas ficam sempre por cima da fruta), por outro, a minha memória não associa este perfil do Legado 2013 ao Legado 2011 e ao Legado 2012, onde havia maior complexida­de de aromas e sabores, que eu gosto de associar ao “terroir” único e belo que é vinha velha da Quinta do Caêdo. Não sei se o Legado 2013 seguiu os mesmos procedimen­tos técnicos das colheitas anteriores, assim como ainda não confirmei cientifica­mente se tenho ou não alergia galopante ao cheiro de aduelas novas, mas ficarei atento à passagem do tempo neste Legado 2013 (se a madeira der lugar a coisas mais complexas cá estarei para falar do assunto), assim como ficarei atento a novas colheitas de Legado, para voltar a rir com o senhor Fernando Guedes, porque, afinal de contas, é isso que interessa. Isso, vinhos icónicos e brindes feitos com coisas tipo Porto Ferreira Vintage 1960. Simplesmen­te soberbo.

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CRIADO NO DOURO, O LEGADO 2013 ESTÁ À VENDA POR 25 0€

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