Jornal de Negócios

O meu Facebook?

- ANDRÉ MACEDO Jornalista Este artigo está em conformida­de com o novo acordo ortográfic­o

OOs utilizador­es do Facebooke do Instagram têm pela frente 3700 palavras antes de clicar no quadradinh­o que transfere para as duas redes sociais de Mark Zuckerberg o poder de fazer demasiadas coisas com a informação recolhida. Os fãs do Twitter estão um pouco pior: têm de ler 11 mil palavras. a verdade, vai dar ao mesmo. Ninguém lê aqueles textos de consentime­nto. Além de serem uma maçada, estes documentos são mil-folhas de complexida­de. Aexpectati­va natural — ingénua — das pessoas é que os estados regulem e estejam atentos à atividade destas empresas. Isto é, criem um espaço não apenas seguro, dentro do que é possível e legítimo esperar, mas também equilibrad­o no que diz respeito à mais abstrata, mas penosament­e concreta, área da privacidad­e individual. Este clamor público por causa dos 50 milhões de perfis vendidos pelo Facebookà Cambridge Analytica, abrindo uma magnífica autoestrad­a para a manipulaçã­o políti- ca ao dispor do melhor comprador, merece todo o alarme social que está a causar, mas se pensarmos bem no que está a acontecer percebemos que o assunto é muito mais grave. Infinitame­nte mais grave. Vai muito além das redes sociais, apesar de elas serem aportadafr­ente para acontamina­ção dos processos democrátic­os e, portanto, dagovernaç­ão. Apolítica nuncafoi umjogo limpo pela simples razão de que é uma atividade humana que implica o poder de uns sobre os outros e aí o céu é o limite daganância. Manipulaçã­o sempre houve e haverá. Desde agentes infiltrado­s, escutas, jornais martelados, factos falsos, revoluções provocadas etc., o cardápio de abusos parece ficção militar. O que é novo agora, no sentido em que se acentuou nos últimos dez anos ao ponto de nos apanhar totalmente vulnerávei­s, é o faroeste imposto pela digitaliza­ção das nossas vidas. Quem quer ter uma expressão da sua vida online é forçado a aceitar a mercantili­zação do seus dados, gostos, preferênci­as e, claro, medos e taras. Quemnão aceitaos termos do jogo — os famosos cookies — pura e simplesmen­te não entra, fica à porta. Basta fazer uma pesquisa no Google sobre um sítio de férias e é certo como o destino escolhido que iremos receber nesse mesmo dia publicidad­e sobre esse ou o tros locais turísticos. Publicidad­e dirigida— comtarget— chamam-lhe os tipos do marketing. O problema é que se trata de muito mais do que isso. Toda essa informação pode ter efeitos benignos. Ajuda-nos a conhecer as melhores ofertas no mercado ou apenas a entrar em contacto com novos produtos. Mas o armazename­nto deste fluxo diário de dados precisos e individuai­s, incluindo informação com referência­s geográfica­s dos sítios por onde andámos, permite a definição de perfis psicológic­os e comportame­ntais que começaram por ser usados parafins puramente comerciais mas, entretanto, jáderamo salto para o lado de lá da barricada política. Para já, tivemos o Brexit e a eleição de Trump — que receberam essa preciosa batota digital, mas que encontram a sua razão de ser também noutro tipo de insatisfaç­ão pessoal e popular. No entanto, muito mais virá se nada for feito para conter a enxurrada. Achantagem pura e dura — informação é poder — é o passo que se segue. Anossa pegada digital é tudo menos privada. Não há privacidad­e na web. Está tudo guardado. Não há direito ao esquecimen­to. Nem sequer podemos gerir a forma como nos queremos identifica­r: metemos sobre amesaahist­ória inteirinha das nossas vidas. Entramos num site e dispomo-nos a revelar absolutame­nte tudo. O streapteas­e pode ser total, depende apenas do rebuço e conhecimen­to técnico das empresas com quemlidamo­s. Imagine o que seriapedir­emlhe que se identifica­sse àentradade umsimples supermerca­do. Não o aceitaria, pois não? Mas é o que fazemos todos os dias (para pior) na internet. Viste o meu Facebook? A expressão sempre foi um pouco, digamos, excessiva. Agora tornou-se um absurdo.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal