O meu Facebook?
OOs utilizadores do Facebooke do Instagram têm pela frente 3700 palavras antes de clicar no quadradinho que transfere para as duas redes sociais de Mark Zuckerberg o poder de fazer demasiadas coisas com a informação recolhida. Os fãs do Twitter estão um pouco pior: têm de ler 11 mil palavras. a verdade, vai dar ao mesmo. Ninguém lê aqueles textos de consentimento. Além de serem uma maçada, estes documentos são mil-folhas de complexidade. Aexpectativa natural — ingénua — das pessoas é que os estados regulem e estejam atentos à atividade destas empresas. Isto é, criem um espaço não apenas seguro, dentro do que é possível e legítimo esperar, mas também equilibrado no que diz respeito à mais abstrata, mas penosamente concreta, área da privacidade individual. Este clamor público por causa dos 50 milhões de perfis vendidos pelo Facebookà Cambridge Analytica, abrindo uma magnífica autoestrada para a manipulação políti- ca ao dispor do melhor comprador, merece todo o alarme social que está a causar, mas se pensarmos bem no que está a acontecer percebemos que o assunto é muito mais grave. Infinitamente mais grave. Vai muito além das redes sociais, apesar de elas serem aportadafrente para acontaminação dos processos democráticos e, portanto, dagovernação. Apolítica nuncafoi umjogo limpo pela simples razão de que é uma atividade humana que implica o poder de uns sobre os outros e aí o céu é o limite daganância. Manipulação sempre houve e haverá. Desde agentes infiltrados, escutas, jornais martelados, factos falsos, revoluções provocadas etc., o cardápio de abusos parece ficção militar. O que é novo agora, no sentido em que se acentuou nos últimos dez anos ao ponto de nos apanhar totalmente vulneráveis, é o faroeste imposto pela digitalização das nossas vidas. Quem quer ter uma expressão da sua vida online é forçado a aceitar a mercantilização do seus dados, gostos, preferências e, claro, medos e taras. Quemnão aceitaos termos do jogo — os famosos cookies — pura e simplesmente não entra, fica à porta. Basta fazer uma pesquisa no Google sobre um sítio de férias e é certo como o destino escolhido que iremos receber nesse mesmo dia publicidade sobre esse ou o tros locais turísticos. Publicidade dirigida— comtarget— chamam-lhe os tipos do marketing. O problema é que se trata de muito mais do que isso. Toda essa informação pode ter efeitos benignos. Ajuda-nos a conhecer as melhores ofertas no mercado ou apenas a entrar em contacto com novos produtos. Mas o armazenamento deste fluxo diário de dados precisos e individuais, incluindo informação com referências geográficas dos sítios por onde andámos, permite a definição de perfis psicológicos e comportamentais que começaram por ser usados parafins puramente comerciais mas, entretanto, jáderamo salto para o lado de lá da barricada política. Para já, tivemos o Brexit e a eleição de Trump — que receberam essa preciosa batota digital, mas que encontram a sua razão de ser também noutro tipo de insatisfação pessoal e popular. No entanto, muito mais virá se nada for feito para conter a enxurrada. Achantagem pura e dura — informação é poder — é o passo que se segue. Anossa pegada digital é tudo menos privada. Não há privacidade na web. Está tudo guardado. Não há direito ao esquecimento. Nem sequer podemos gerir a forma como nos queremos identificar: metemos sobre amesaahistória inteirinha das nossas vidas. Entramos num site e dispomo-nos a revelar absolutamente tudo. O streaptease pode ser total, depende apenas do rebuço e conhecimento técnico das empresas com quemlidamos. Imagine o que seriapediremlhe que se identificasse àentradade umsimples supermercado. Não o aceitaria, pois não? Mas é o que fazemos todos os dias (para pior) na internet. Viste o meu Facebook? A expressão sempre foi um pouco, digamos, excessiva. Agora tornou-se um absurdo.