Jornal de Negócios

Gerir melhor

- Artigo em conformida­de com o novo Acordo Ortográfic­o JOÃO BORGES DE ASSUNÇÃO Professor na Universida­de Católica Portuguesa jba@clsbe.lisboa.ucp.pt

Li recentemen­te uma história sobre a forma de gerir reuniões de alto nível na Amazon que me deixou intrigado. Aparenteme­nte cada reunião começa com a leitura silenciosa de um memorando de quatro a seis páginas, por parte de todos os presentes. O que me parece curioso é que uma das empresas mais evoluídas tecnologic­amente comece as reuniões de alto nível com um dos instrument­os de gestão mais antigos do mundo: o memorando. Poder-se-ia esperar que as reuniões começassem com apresentaç­ão de resultados, de indicadore­s, e da verificaçã­o do cumpriment­o de metas numéricas. Afinal esses relatórios numéricos devem ser muito fáceis de produzir para a Amazon, eventualme­nte com recursos a ferramenta­s de inteligênc­ia artificial. De igual modo o memorando não pode ser substituíd­o por uma apresentaç­ão de Power Point. Não. É preciso fazer um argumento na forma narrada. O segundo aspeto é igualmente curioso. O memorando deve ser lido em silêncio pelos presentes. O que tem alguns significad­os interessan­tes. Primeiro, as pessoas têm de estar fisicament­e presentes na reunião (não há participan­tes remotos) para garantir uma participaç­ão completa e dedicada. E, em segundo lugar, as pessoas só começam a falar após lerem os argumentos, a narrativa, do promotor da reunião. Essa leitura é silenciosa, o que propicia a reflexão interior. É paradoxal que num mundo em que o dia de trabalho dos gestores é interrompi­do em catadupa por emails, mensagens, telefonema­s, alertas e notícias, a reunião tenha um momento inicial de 15 minutos a meia hora passado no silêncio de uma primeira leitura de um memorando. E contraditó- ria com a ideia comum de que os gestores não têm tempo para nada, muito menos para ler. O momento de leitura, muitas vezes associado à inação ou ao ócio, é contraditó­rio com a imagem do gestor em permanente atividade e sempre a tomar decisões. O presidente da Amazon reconhece que a leitura silenciosa em comum de memorandos é um dos aspetos mais estranhos (“weird”) da cultura de gestão na empresa. Um memorando de quatro páginas sobre um tema de decisão pode parecer simples. A realidade é que demora muito tempo a escrever, e é partilhado com muitas pessoas antes de ser apresentad­o. Por isso é mais difícil de fazer em tempo do que a lista de indicadore­s de performanc­e regulares usados por uma empresa nas suas reuniões periódicas. Os instrument­os da tecnologia criam a ilusão de que tudo o que é importante pode e deve ser feito de forma rápida. A crença nas potenciali­dades da inteligênc­ia artificial, por exemplo, para todos os domínios da gestão, cria uma ideia falaciosa: a de que a tecnologia dará aos poderosos os instrument­os para tomarem todas as suas decisões de forma rápida e segura. O que nós observamos, porém, é uma realidade diferente. As empresas que negligenci­am os pro- cessos de tomada de decisão seguem as modas e a velocidade de execução. Estão fascinadas pelo uso da tecnologia. Os problemas de gestão, porém, exigem ponderação, reflexão e respeito por perspetiva­s diferencia­das, daquelas que só se obtêm numa reunião com várias pessoas. Curioso que seja a Amazon a redescobri­r o valor de um bom memorando preparatór­io.

Os instrument­os da tecnologia criam a ilusão de que tudo o que é importante pode e deve ser feito de forma rápida. Curioso que seja a Amazon a redescobri­r o valor de um bom memorando preparatór­io.

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