A nossa eterna dívida
Quando se olha para o OE de 2019 as posições extremam-se, como sempre. Entre os defensores e os críticos há um campo minado onde os que se aventuram tendem a suicidar-se. O OE é um equilíbrio instável de interesses e neces-
A dívida é o sintoma da fragilidade nacional. Desde há muitos séculos.
sidades. Mas se o objectivo é a prazo ele conseguir deixar o défice, isso tem a ver com um velho mal nacional: gastamos o que temos e o que não temos.
Não está aqui em causa uma lógica moral (de gastarmos porque os portugueses necessitam), mas uma material. Daí que um debate que normalmente foge ao discurso político: o da enorme dívida pública (e privada) que tolhe todos os movimentos do país. A dívida tem vindo a descer um pouco, mas ela é o sintoma da fragilidade nacional, tal como aparece um furacão como o Leslie: não estamos preparados para uma nova crise internacional. A dívida é um calcanhar de Aquiles brutal.
Há um século Anselmo de Andrade, nas páginas da “Atlântida”, escrevia: “Dos países mais endividados, Portugal, se não é o seu decano, também não foi o que mais se atrasou em se servir do crédito público. Cedo se lhe afreguesou, e tão devotada e insistentemente, que nunca mais deixou de prestar culto a essa divindade dos interesses materiais.” Ou seja, a dívida e Portugal é uma coisa que faz parte do nosso ADN. Mais: “Nesse tempo (a guerra do Roussilon) era já velha a dívida pública portuguesa. A forma de pedir emprestado é que era nova. Antigamente não permitiam as nossas leis empréstimos de dinheiro com vencimento de juros. Dominava o direito canónico, e as leis eclesiásticas sobre o juro eram de grande rigor e severidade. (…) Não se podendo pedir dinheiro a juro, por ser crime contra as leis civis, além de pecado contra a religião, e não chegando o que havia para as despesas públicas, a necessidade, que é engenhosa, rompeu o dilema. Fez dívida, sofismando. Não se pediu. Vendeu-se. A venda dos juros e dos censos foi o meio de obter dinheiro sem pecado, e sem violação das leis. Salvaramse as almas e os princípios, embora nesta fórmula purificadas coubessem as mais excessivas usuras”.
Mudou-se o século e as vendas passaram a ser das empresas públicas e do imobiliário público. Agora resta pouco. Só sobra a dívida colossal e os juros dos empréstimos. Ou seja, nada se transforma realmente em Portugal.