Benefícios fiscais em I&D vão ter controlo mais apertado
O Fisco vai reforçar o controlo ao sistema de incentivos fiscais ao investimento das empresas em investigação e desenvolvimento via fundos de investimento. Benefícios têm de ser devolvidos se projetos não forem concretizados em cinco anos. Empresas destinatárias têm novos requisitos.
Uma empresa que invista num fundo de investimento dedicado à investigação e desenvolvimento (I&D) ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial (SIFIDE) e que decida vender as suas unidades de participação antes de terem passado cinco anos terá de devolver os montante que, a título de benefícios fiscais, entretanto deduziu à coleta, acrescido dos respetivos juros compensatórios. Por outro lado, e independentemente do período de investimento previsto, caso o fundo de investimento não realize integralmente o montante investido e não o faça em empresas dedicadas em I&D num prazo também de cinco anos, então, pela parte não investida, terá igualmente de haver a devolução do benefício usufruído, mais os juros compensatórios.
Estas são duas das principais alterações ao SIFIDE que constam da proposta de Orçamento do Estado para 2021, que o Governo entregou esta semana no Parlamento. Para Joaquim Pedro Lampreia, advogado da VdA e especialista neste tipo de benefícios fiscais, “está em causa uma profunda remodelação do regime, que é tão alterado e cria tantas dúvidas que estes fundos de investimento terão a vida muito dificultada”. Na sua opinião, poderá estar mesmo em causa “a continuidade do benefício”.
Na prática, as normas agora propostas pelo Governo vêm apertar as rédeas a quem usa o SIFIDE. Este, recorde-se, é um instrumento fiscal criado para incentivar o investimento em I&D – através dos fundos de investimento, as empresas apostam indiretamente no setor e têm, como contrapartida, a possibilidade de recuperar até 82,5% dos custos que tenham por esta via.
Agora, o Governo quer garantir que o investimento vai de facto para atividades da área da I&D e, mais, que esse investimento acontece realmente. Tanto que passam a ser consideradas como relevantes para efeitos de SIFIDE apenas as empresas que se dediquem sobretudo a I&D, incluindo o financiamento da valorização dos seus resultados, cuja idoneidade nesta matéria seja reconhecida pela Agência Nacional de Inovação (ANI). Por outro lado, se estas empresas não concretizarem o investimento também dentro de cinco anos a contar da data do financiamento pelo fundo, então as empresas que neste investiram terão, mais uma vez, de devolver o imposto que deixaram de pagar, acrescido de juros compensatórios.
Joaquim Pedro Lampreia considera que estas restrições vão “afetar e desincentivar o investimento em I&D”. E dá um exemplo: se um investidor apostar num destes fundos em 2021, até 2026 o fundo terá de ter usado os valores para financiar uma empresa até 2026 e esta, por sua vez, tem até 2031 para aplicar os valores. Tendo em conta que o Fisco tem ainda mais quatro anos para atuar – o prazo de prescrição das dívidas fiscais – então, no limite “só em 2035 é que o investidor pode ter a certeza de que o IRC de 2021 está salvaguardado e que não terá de pagar juros compensatórios”, explica o advogado. Isto sem contar que “nessa altura pode já nem haver documentos, uma vez que o prazo durante o qual estes têm de ser guardados é de dez anos”.
A proposta de OE consagra ainda mais algumas alterações ao SIFIDE, nomeadamente no que toca a obrigações declarativas. Uma delas é que as empresas dedicadas sobretudo a I&D terão todos os anos de entregar aos fundos de investimento que nelas investiram uma declaração comprovativa dos investimentos realizados e em que prazos tal aconteceu. O
fundo deverá depois transmitir essa informação a quem adquiriu unidades de participação, por forma a regularizar o imposto a que haja lugar, mais os respetivos juros.
O SIFIDE tem vindo a desenvolver-se desde 2017 e há já um conjunto de fundos de investimento a atuar em Portugal nesta área e que “angariaram algumas centenas de milhões de euros” nestes últimos anos, explica Joaquim Pedro Lampreia. Este tipo de investimento “está muito disseminado”, tanto junto de pequenas empresas, como das de maior dimensão.
Agora, “o Governo pretendeu criar mecanismos de controlo deste benefício a jusante, garantindo que os montantes captados são realmente aplicados em I&D. E é verdade que esses mecanismos não existem e deveriam existir, reconhece o advogado. Porém, entende, “haveria formas muito mais eficientes de o fazer”, nomeadamente uma articulação entre a AT, a ANI e a CMVM, que desse garantias de controlo, sem burocratizar a aplicação do benefício e criar uma incerteza tremenda nas empresas investidoras”, remata.
Decidimos quantos impostos pagamos em função de quanto temos de gastar. A decisão está infelizmente tomada há muitos anos. MARIA LUÍS ALBUQUERQUE Ex-ministra das Finanças de Passos Coelho Não podemos excluir que este não seja o último Orçamento para 2021, tal como este ano houve um segundo orçamento.
ROCHA ANDRADE Ex-secretário de Estado de António Costa Estamos a arranjar um problema gigante para futuros governos e futuras gerações.
PAULO NÚNCIO Ex-secretário de Estado de Passos Coelho