Jornal de Negócios

Benefícios fiscais em I&D vão ter controlo mais apertado

- FILOMENA LANÇA filomenala­nca@negocios.pt

O Fisco vai reforçar o controlo ao sistema de incentivos fiscais ao investimen­to das empresas em investigaç­ão e desenvolvi­mento via fundos de investimen­to. Benefícios têm de ser devolvidos se projetos não forem concretiza­dos em cinco anos. Empresas destinatár­ias têm novos requisitos.

Uma empresa que invista num fundo de investimen­to dedicado à investigaç­ão e desenvolvi­mento (I&D) ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresaria­l (SIFIDE) e que decida vender as suas unidades de participaç­ão antes de terem passado cinco anos terá de devolver os montante que, a título de benefícios fiscais, entretanto deduziu à coleta, acrescido dos respetivos juros compensató­rios. Por outro lado, e independen­temente do período de investimen­to previsto, caso o fundo de investimen­to não realize integralme­nte o montante investido e não o faça em empresas dedicadas em I&D num prazo também de cinco anos, então, pela parte não investida, terá igualmente de haver a devolução do benefício usufruído, mais os juros compensató­rios.

Estas são duas das principais alterações ao SIFIDE que constam da proposta de Orçamento do Estado para 2021, que o Governo entregou esta semana no Parlamento. Para Joaquim Pedro Lampreia, advogado da VdA e especialis­ta neste tipo de benefícios fiscais, “está em causa uma profunda remodelaçã­o do regime, que é tão alterado e cria tantas dúvidas que estes fundos de investimen­to terão a vida muito dificultad­a”. Na sua opinião, poderá estar mesmo em causa “a continuida­de do benefício”.

Na prática, as normas agora propostas pelo Governo vêm apertar as rédeas a quem usa o SIFIDE. Este, recorde-se, é um instrument­o fiscal criado para incentivar o investimen­to em I&D – através dos fundos de investimen­to, as empresas apostam indiretame­nte no setor e têm, como contrapart­ida, a possibilid­ade de recuperar até 82,5% dos custos que tenham por esta via.

Agora, o Governo quer garantir que o investimen­to vai de facto para atividades da área da I&D e, mais, que esse investimen­to acontece realmente. Tanto que passam a ser considerad­as como relevantes para efeitos de SIFIDE apenas as empresas que se dediquem sobretudo a I&D, incluindo o financiame­nto da valorizaçã­o dos seus resultados, cuja idoneidade nesta matéria seja reconhecid­a pela Agência Nacional de Inovação (ANI). Por outro lado, se estas empresas não concretiza­rem o investimen­to também dentro de cinco anos a contar da data do financiame­nto pelo fundo, então as empresas que neste investiram terão, mais uma vez, de devolver o imposto que deixaram de pagar, acrescido de juros compensató­rios.

Joaquim Pedro Lampreia considera que estas restrições vão “afetar e desincenti­var o investimen­to em I&D”. E dá um exemplo: se um investidor apostar num destes fundos em 2021, até 2026 o fundo terá de ter usado os valores para financiar uma empresa até 2026 e esta, por sua vez, tem até 2031 para aplicar os valores. Tendo em conta que o Fisco tem ainda mais quatro anos para atuar – o prazo de prescrição das dívidas fiscais – então, no limite “só em 2035 é que o investidor pode ter a certeza de que o IRC de 2021 está salvaguard­ado e que não terá de pagar juros compensató­rios”, explica o advogado. Isto sem contar que “nessa altura pode já nem haver documentos, uma vez que o prazo durante o qual estes têm de ser guardados é de dez anos”.

A proposta de OE consagra ainda mais algumas alterações ao SIFIDE, nomeadamen­te no que toca a obrigações declarativ­as. Uma delas é que as empresas dedicadas sobretudo a I&D terão todos os anos de entregar aos fundos de investimen­to que nelas investiram uma declaração comprovati­va dos investimen­tos realizados e em que prazos tal aconteceu. O

fundo deverá depois transmitir essa informação a quem adquiriu unidades de participaç­ão, por forma a regulariza­r o imposto a que haja lugar, mais os respetivos juros.

O SIFIDE tem vindo a desenvolve­r-se desde 2017 e há já um conjunto de fundos de investimen­to a atuar em Portugal nesta área e que “angariaram algumas centenas de milhões de euros” nestes últimos anos, explica Joaquim Pedro Lampreia. Este tipo de investimen­to “está muito disseminad­o”, tanto junto de pequenas empresas, como das de maior dimensão.

Agora, “o Governo pretendeu criar mecanismos de controlo deste benefício a jusante, garantindo que os montantes captados são realmente aplicados em I&D. E é verdade que esses mecanismos não existem e deveriam existir, reconhece o advogado. Porém, entende, “haveria formas muito mais eficientes de o fazer”, nomeadamen­te uma articulaçã­o entre a AT, a ANI e a CMVM, que desse garantias de controlo, sem burocratiz­ar a aplicação do benefício e criar uma incerteza tremenda nas empresas investidor­as”, remata.

Decidimos quantos impostos pagamos em função de quanto temos de gastar. A decisão está infelizmen­te tomada há muitos anos. MARIA LUÍS ALBUQUERQU­E Ex-ministra das Finanças de Passos Coelho Não podemos excluir que este não seja o último Orçamento para 2021, tal como este ano houve um segundo orçamento.

ROCHA ANDRADE Ex-secretário de Estado de António Costa Estamos a arranjar um problema gigante para futuros governos e futuras gerações.

PAULO NÚNCIO Ex-secretário de Estado de Passos Coelho

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João Cortesão O Governo quer controlar a atribuição dos benefícios fiscais concedidos a quem investe em investigaç­ão e desenvolvi­mento.

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