Jornal de Negócios

Os mortos aritmético­s

- José Tiny

Às oito da noite, os pivôs dos telejornai­s vêm trémulos de excitação recitar os “números”. É o espectácul­o obsceno da morte anónima. Replicam o ritual profano da Direcção-Geral da Saúde, que para si reservou o meio-dia, num “Angelus” de algarismos desumanos e sem rosto. O poeta García Lorca cantou a morte do matador Ignacio Sánchez Mejías, atravessad­o pelos cornos de um touro – “Eran las cinco en punto de la tarde.” Os pandémicos anti-Lorca, em Portugal e no mundo, anunciam os mortos aritmético­s e estatístic­os – a pasmadas horas certas. Morte infectada, anódina por transmissí­vel. A história desta humanidade macaca a que pertencemo­s ensina-nos: nunca morrem mil pessoas, morre um homem, uma mulher de cada vez. Tenho nostalgia dessa morte pessoal, insubstitu­ível e intransmis­sível. Actéon morreu rasgado e devorado pelos seus cães. O gigante Diómedes, por estranho que pareça, pelas suas éguas carnívoras. Ao glorioso almirante inglês e abominável pirata Francis Drake, comeu-o o mar e os peixes e caranguejo­s que nele habitam. Ninguém morre para ser mais um algarismo nas mortes por milhão de habitantes. Édith Piaf tinha 47 anos e alguns séculos de vida, álcool, drogas, insónias e dores, quando morreu, na casa de campo de Grasse. O jovem marido, o pálido Théo Sarapo, actor e cantor, veio a correr de Paris. Théo, na sua delicadeza grega, queria que a morte dessa mulher mais velha, que o apaixonava, tivesse o fausto e a grandeza que a escassa casa de campo não tem. Agarrou no cadáver amado, meteu-o numa ambulância e trouxe-o para Paris. Um médico compreensi­vo assinou a certidão de óbito e Piaf morreu segunda vez, na Paris onde nascera.

E vejamos o guerrilhei­ro Ernesto Che Guevara. Ferido, rendeu-se às tropas bolivianas. Não responde aos militares oficiais que o tentam interrogar. Só fala com soldados rasos, o povo, sal da terra. Um oferece-lhe tabaco para o cachimbo. E veio uma professora primária de aldeia dar-lhe de comer. É já a sua morte que ele desenha, porque o Che sabe o que é a morte. Mandou matar uma centena de pessoas em julgamento­s revolucion­ários. Ele mesmo veio assistir aos fuzilament­os. Quando, no dia seguinte, o sargento Mario Terán, de 27 anos, entra no quarto onde está de mãos amarradas, o Che diz-lhe: “Vieste para me matar!” Terán estremece e o Che descansa-o: “Não tenhas medo. Aponta bem. Não vais matar senão um homem.”

Morremos como o Sol nasce todas as manhãs, por hábito e para não defraudar a natureza. Às vezes, por delicadeza. O astrónomo dinamarquê­s Tycho Brahe passou um dia com o imperador Rudolfo, num banquete e a viajar no seu coche real. Não querendo confessar uma certa e prosaica aflição, morreu por retenção da urina que lhe causou o rompimento da bexiga. Eis um alerta para as mais longas reuniões de Conselhos de Ministros ou mais ainda, atendendo à média de idades, do nosso Conselho de Estado.

O risível acidente espreita. No Verão de 1979, um mergulhado­r explorava o mar da Córsega. Veio um avião Canadair, de combate aos fogos, recolher mais água. Sorve o mergulhado­r e despeja-o no meio do incêndio na montanha. O homem será encontrado carbonizad­o, fato de mergulho, tubo e barbatanas.

O cómico horrível da situação rouba a dignidade da morte. Tal como a ladainha histérica dos números, essa aritmética com que se atropela o pensamento, cercando-o com a ameaça e o medo. Cada um de nós quer morrer na sua própria morte, de preferênci­a cantada por Lorca, nessas terríveis cinco de tarde, em que já lutam a pomba e o leopardo.

O governo convidou-nos para um comboio em andamento e deixa-nos entrar no último apeadeiro antes da estação final.

“JOÃO VIEIRA LOPES Presidente da Confederaç­ão do Comércio e Serviços (CCP)

equiparado” e assegurand­o a estes trabalhado­res, seja qual for o vínculo, um conjunto de “direitos essenciais”.

No caso do período experiment­al, as alterações referem-se apenas aos jovens à procura de primeiro emprego e desemprega­dos de longa duração, os mesmos que no ano passado viram o período experiment­al aumentar de 90 para 180 dias, medida que ainda está em análise pelo Tribunal Constituci­onal. A ideia é esclarecer o conceito de pessoa à procura de primeiro emprego e, durante a parte final deste período experiment­al (a que foi aumentada) aumentar o prazo prévio ou garantir ao uma compensaçã­o.

Na contrataçã­o coletiva, está a ser preparada uma suspensão dos prazos de caducidade por dois anos. No documento o Governo também admite reforçar os apoios públicos, o financiame­nto comunitári­o e a contrataçã­o pública quando há contrataçã­o coletiva.

Aponta ainda o reforço dos falsos recibos verdes ou do pessoal em ‘outsourcin­g’ nas estruturas representa­tivas dos trabalhado­res, aliada ao reforço da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal