Governo deu mais dados a Bruxelas do que aos deputados
Executivo diz à Comissão Europeia que espera baixar mais o défice de 2022.
0,13 NOVO BANCO Este é o “impacto líquido”, em percentagem do PIB, do Novo Banco no défice. O impacto bruto na despesa é de 0,2%.
Em Portugal, foram precisas várias perguntas ao ministro das Finanças para confirmar a informação de que há uma injeção prevista para o Novo Banco com impacto no défice. Mas em Bruxelas bastou abrir o plano orçamental e consultar uma tabela: estavam lá dados que faltavam no documento enviado à AR.
No esboço de Orçamento do Estado para 2021 que o Governo enviou para a Comissão Europeia, o Ministério das Finanças submeteu informação diferente face à que tinha comunicado dias antes à Assembleia da República. A tabela das medidas de política com impactos orçamentais entregue em Bruxelas tem mais alíneas – está lá, desde logo, o Novo Banco – e pequenas diferenças nos valores.
Contactada, fonte do Ministério das Finanças disse ao Negócios que na sexta-feira foram enviados tanto à AR, como a Bruxelas, pedidos de correção aos documentos. Em causa está a tabela 13: “Medidas discricionárias incluídas no projeto de plano orçamental”, que dá conta das iniciativas que têm impacto no défice. Tanto na versão para o palco nacional, como na que foi enviada para a Comissão Europeia, esta tabela indica que as medidas prejudicam o saldo orçamental em 0,9% do PIB, uma vez contabilizados os efeitos da despesa, e da receita.
Mas na mudança de destinatário, a composição deste saldo altera-se de forma significativa: na despesa comunicada a Bruxelas aparecem mais quatro alíneas referentes a 2021, que valem 0,51% do PIB, o equivalente a 1.075 milhões de euros. Está aqui preto no branco, por exemplo, o “impacto líquido” da injeção de capital prevista para o Novo Banco: 0,13% do
PIB, 275 milhões de euros.
Também está já registada uma execução de garantias no valor de 126,5 milhões de euros. Aparecem ainda a injeção de capital na TAP, no valor de 0,24% do PIB, e uma decisão judicial da Câmara de Lisboa, que soma 0,08% do PIB.
Além disso, as poupanças prometidas à Comissão com o exercício de revisão da despesa valem 0,06% do PIB, enquanto na tabela para Portugal estas poupanças valem 0,05% do PIB. No relatório do Orçamento do Estado, esta medida está identificada como tendo um impacto de 135,3 milhões de euros, o que corresponde a 0,06% do PIB nominal com que o Governo está a trabalhar.
Já do lado da receita surgem dois efeitos que também não estavam previstos na tabela submetida ao Parlamento e que compensam o acréscimo da despesa: são elas a recuperação da garantia do BPP, no valor de 0,03% do PIB, e o recebimento das margens pré-pagas do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), com impacto de 0,52% do PIB. Somados, estes efeitos acrescem 0,53% à receita, compensando o saldo para 0,88%, ou, arredondado à primeira casa decimal como aparece na tabela para o público nacional, 0,9% do PIB.
Gralhas e opacidades
Desde que o OE 2021 foi entregue na Assembleia da República, a 12 de outubro, que se sucedem episódios de gralhas e correções de números, ou acrescentos de informação. O dia da entrega ficou marcado pelos 470 milhões de euros de despesa que “não eram” para injetar no Novo Banco, assegurou então o Governo, mas sim para a CP. O dia seguinte destacou-se pela conferência de imprensa em que o ministro das Finanças reconheceu que, afinal, sempre existem 470 milhões de euros para injetar na instituição financeira.
A 14 de outubro somou-se outro caso: a Direção- Geral do Orçamento publicou um esclarecimento e um mapa adicional no seu site. “Clarifica-se que os Mapas da Lei do OE 2021 contêm a mesma informação dos Mapas da Lei do OE de anos anteriores”, sentiu necessidade de afirmar. “São apresentados de forma dis
tinta em cumprimento da nova Lei do Enquadramento Orçamental (LEO) na redação atual dada pela Lei n.º 41/2020, de 18 de agosto”, frisou.
Ou seja, a mudança que o Governo promoveu na LEO alterou a forma como a informação é disponibilizada. Para Gonçalo Velho, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior, mudou para pior. “Torna o OE bastante mais opaco”, diz ao Negócios. E dá um exemplo que esteve na base da necessidade da DGO de publicar o tal novo mapa: a informação inicialmente disponibilizada agregava as receitas dos serviços e fundos autónomos com as receitas dos serviços integrados, dividindo apenas por programas.
Na prática, não se conseguia perceber que verbas provinham do Orçamento do subsetor Estado e que montantes diziam respeito a receitas próprias, ou a fundos comunitários, explica o professor. “O ensino superior é apenas um exemplo. Acontece em todos os outros serviços e fundos autónomos”, frisa Gonçalo Velho. “Se tínhamos a desagregação dos mapas, porque estamos a agregar?”, questiona, “Geralmente quando se agrega é porque se quer esconder alguma coisa”, critica.
Com o novo mapa, o problema fica ligeiramente menor, mas não está totalmente resolvido. Embora já esteja discriminada qual é a receita que provém de transferências dentro das administrações públicas, estes valores não estão consolidados, pelo que não estão anulados os “fluxos intrasetoriais e intersetoriais de juros, subsídios, transferências correntes e de capital, ativos e passivos no âmbito da Administração Central”, entre outros, nota a própria DGO.
“Geralmente quando se agrega [informação] quer-se esconder alguma coisa. GONÇALO VELHO Presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior