“Este não é um orçamento à Sócrates. António Costa segue caminho diferente.”
AS ESCOLHAS DO ORÇAMENTO
1. É um orçamento de incerteza. Incerteza fundada em três vertentes:
• Na evolução da pandemia. Se a pandemia se agravar e se houver novas restrições, as previsões de crescimento podem ficar comprometidas;
• Na evolução do crescimento na Europa e
no mundo. Estamos muito dependentes da forma como os outros países crescem. E, neste particular, muita atenção a Espanha – além da crise sanitária e económica, há no horizonte um risco sério de crise política em Espanha.
• Na bazuca de Bruxelas. Quando chegam os milhões a Portugal? Ninguém sabe. E há riscos no horizonte: a questão dos fundos próprios da UE tem de ser ratificada em 27 países, passa por 30 parlamentos nacionais (alguns têm duas Câmaras) e em certos países exige-se maioria qualificada. Se há uma falha, falha tudo.
2. Não é um orçamento à Sócrates. Boa notícia. O ex-PM, em 2009, perante a crise de então, resolveu abrir desenfreadamente os cordões à bolsa. Gastou o que tinha e o que não tinha. Passado um ano estava próximo da bancarrota. António Costa segue caminho diferente – fez um OE que, como diz Helena Garrido, é de um expansionismo prudente. É cuidadoso no défice, na dívida, no saldo estrutural, no aumento da despesa. Significa que Costa não é Sócrates.
3. É um orçamento com forte carga social. Outra boa notícia. Pode discutir-se se algumas destas medidas sociais são financeiramente sustentáveis. Pode perceber-se que o objectivo é sobretudo agradar à esquerda. Mas não pode deixar de se reconhecer que esta “investida” social é positiva. Fomenta a coesão social, combate a exclusão e estimula a procura.
4. É um orçamento sem política económica. É a decepção deste OE. O grande buraco é a economia e são as empresas. Não há aposta na capitalização das empresas, no fomento das exportações, na competitividade empresarial. Não há o que é estruturante e que cria riqueza. Não sei se Siza Vieira tem tanto peso político como dizem. A verdade é que o Ministro da Economia está completamente ausente deste orçamento. O que é mau. 5. É um OE sem solidariedade regional. Madeira e Açores tiveram de contrair empréstimos para financiarem os custos da pandemia nas Regiões. Precisavam do aval do Estado. O Estado faltou com a sua solidariedade. Inadmissível.
QUEM APROVA O ORÇAMENTO?
1. Com um tão forte pendor social, este OE é feito com três objectivos: a) Conquistar o voto dos partidos à esquerda; b) Ajudar o Governo caso haja crise e eleições antecipadas; c) Dar um empurrão ao PS nas autárqui
cas (o aumento extraordinário das pensões em Agosto tem esse efeito claro). d) Em suma: se a esquerda não aprovasse este OE cometia suicídio político. Porque acrescentava crise política à crise sanitária e económica. Porque seria punida pela crise política mais impopular de sempre. Porque votar ao lado da direita um OE socialmente tão avançado é um exercício impopular.
2. Posto isto, eu diria: a) Depois da “reviravolta” que o PCP deu há duas semanas, o OE será viabilizado. Pelo menos com a abstenção do PCP e do PAN. b) Com o BE tudo pode acontecer: a relação entre o BE e o Governo é cada vez mais difícil, no plano político e pessoal. Primeiro, porque Governo e BE não se gostam um ao outro; depois, porque o Bloco não gosta do privilégio que o Governo dá ao PCP: terceiro, porque antes da “reviravolta” do PCP o Bloco tinha um poder enorme e agora perdeu influência. c) Matematicamente o voto do BE não é indispensável, disse há dias o SE Duarte Cordeiro. É verdade. Mas politicamente faz toda a diferença. Se o BE chumbar o OE, vai pagar o preço de votar com a direita um orçamento com forte carga social. Mas o Governo também paga um preço – o preço de provavelmente daqui a um ano ter uma crise política. Dificilmente o PCP viabiliza mais um OE. E dificilmente o Bloco volta atrás daqui a um ano.
3. Finalmente, preparemo-nos para ter no debate da especialidade várias coligações negativas. Todos querem mais despesa pública. O défice vai inevitavelmente aumentar.
A BAZUCA DE BRUXELAS
1. O país está de pernas para o ar. Está tudo virado do avesso. a) Primeiro: discute-se a espuma dos dias – a APP Stayaway Covid. E não se discute o importante – o plano para aplicar 13 mil milhões de euros. O plano foi entregue em Bruxelas, mas os portugueses não fazem ideia do que lá está. b) Segundo: temos 13 mil milhões para gastar nos próximos seis anos. Abrange investimentos em quase todos os ministérios. Menos o Ministério da Defesa. Depois vai ver-se o documento e não há nada de concreto. Nem metas, nem calendários, nem indicadores a atingir. São só generalidades. Não são erradas mas são generalidades.
c) Terceiro: quais são em concreto os investimentos que vão ser feitos? Alguns exemplos: as listas de espera nos hospitais vão diminuir? Quando? Ninguém sabe. As unidades de cuidados continuados vão aumentar em quanto? Ninguém sabe. As exportações vão crescer? Ninguém sabe.
Só há um número concreto. Só um. Na habitação. O Governo prevê construir 25.762 novas habitações em 187 municípios de Portugal.
2. Ficam duas sensações, ambas negativas:
a) A primeira é a sensação de que a generalidade dos ministérios não fez o seu trabalho de casa. Logo, não há um plano de acção.
b) A segundo é que ninguém quer assumir responsabilidades de fazer escolhas. Logo, ficamos por um plano de ideias gerais. Não é o melhor começo!!
É um OE sem política económica. Não há o que é estruturante e que cria riqueza.
Matematica-mente o voto do BE não é indispensável, mas em termos políticos faz toda a diferença.