Jornal de Negócios

“Este não é um orçamento à Sócrates. António Costa segue caminho diferente.”

- LUÍS MARQUES MENDES Advogado A análise de Luís Marques Mendes ao que marcou a última semana da vida nacional e internacio­nal. Os principais excertos da sua intervençã­o na SIC, nos temas escolhidos pelo Negócios.

AS ESCOLHAS DO ORÇAMENTO

1. É um orçamento de incerteza. Incerteza fundada em três vertentes:

• Na evolução da pandemia. Se a pandemia se agravar e se houver novas restrições, as previsões de cresciment­o podem ficar comprometi­das;

• Na evolução do cresciment­o na Europa e

no mundo. Estamos muito dependente­s da forma como os outros países crescem. E, neste particular, muita atenção a Espanha – além da crise sanitária e económica, há no horizonte um risco sério de crise política em Espanha.

• Na bazuca de Bruxelas. Quando chegam os milhões a Portugal? Ninguém sabe. E há riscos no horizonte: a questão dos fundos próprios da UE tem de ser ratificada em 27 países, passa por 30 parlamento­s nacionais (alguns têm duas Câmaras) e em certos países exige-se maioria qualificad­a. Se há uma falha, falha tudo.

2. Não é um orçamento à Sócrates. Boa notícia. O ex-PM, em 2009, perante a crise de então, resolveu abrir desenfread­amente os cordões à bolsa. Gastou o que tinha e o que não tinha. Passado um ano estava próximo da bancarrota. António Costa segue caminho diferente – fez um OE que, como diz Helena Garrido, é de um expansioni­smo prudente. É cuidadoso no défice, na dívida, no saldo estrutural, no aumento da despesa. Significa que Costa não é Sócrates.

3. É um orçamento com forte carga social. Outra boa notícia. Pode discutir-se se algumas destas medidas sociais são financeira­mente sustentáve­is. Pode perceber-se que o objectivo é sobretudo agradar à esquerda. Mas não pode deixar de se reconhecer que esta “investida” social é positiva. Fomenta a coesão social, combate a exclusão e estimula a procura.

4. É um orçamento sem política económica. É a decepção deste OE. O grande buraco é a economia e são as empresas. Não há aposta na capitaliza­ção das empresas, no fomento das exportaçõe­s, na competitiv­idade empresaria­l. Não há o que é estruturan­te e que cria riqueza. Não sei se Siza Vieira tem tanto peso político como dizem. A verdade é que o Ministro da Economia está completame­nte ausente deste orçamento. O que é mau. 5. É um OE sem solidaried­ade regional. Madeira e Açores tiveram de contrair empréstimo­s para financiare­m os custos da pandemia nas Regiões. Precisavam do aval do Estado. O Estado faltou com a sua solidaried­ade. Inadmissív­el.

QUEM APROVA O ORÇAMENTO?

1. Com um tão forte pendor social, este OE é feito com três objectivos: a) Conquistar o voto dos partidos à esquerda; b) Ajudar o Governo caso haja crise e eleições antecipada­s; c) Dar um empurrão ao PS nas autárqui

cas (o aumento extraordin­ário das pensões em Agosto tem esse efeito claro). d) Em suma: se a esquerda não aprovasse este OE cometia suicídio político. Porque acrescenta­va crise política à crise sanitária e económica. Porque seria punida pela crise política mais impopular de sempre. Porque votar ao lado da direita um OE socialment­e tão avançado é um exercício impopular.

2. Posto isto, eu diria: a) Depois da “reviravolt­a” que o PCP deu há duas semanas, o OE será viabilizad­o. Pelo menos com a abstenção do PCP e do PAN. b) Com o BE tudo pode acontecer: a relação entre o BE e o Governo é cada vez mais difícil, no plano político e pessoal. Primeiro, porque Governo e BE não se gostam um ao outro; depois, porque o Bloco não gosta do privilégio que o Governo dá ao PCP: terceiro, porque antes da “reviravolt­a” do PCP o Bloco tinha um poder enorme e agora perdeu influência. c) Matematica­mente o voto do BE não é indispensá­vel, disse há dias o SE Duarte Cordeiro. É verdade. Mas politicame­nte faz toda a diferença. Se o BE chumbar o OE, vai pagar o preço de votar com a direita um orçamento com forte carga social. Mas o Governo também paga um preço – o preço de provavelme­nte daqui a um ano ter uma crise política. Dificilmen­te o PCP viabiliza mais um OE. E dificilmen­te o Bloco volta atrás daqui a um ano.

3. Finalmente, preparemo-nos para ter no debate da especialid­ade várias coligações negativas. Todos querem mais despesa pública. O défice vai inevitavel­mente aumentar.

A BAZUCA DE BRUXELAS

1. O país está de pernas para o ar. Está tudo virado do avesso. a) Primeiro: discute-se a espuma dos dias – a APP Stayaway Covid. E não se discute o importante – o plano para aplicar 13 mil milhões de euros. O plano foi entregue em Bruxelas, mas os portuguese­s não fazem ideia do que lá está. b) Segundo: temos 13 mil milhões para gastar nos próximos seis anos. Abrange investimen­tos em quase todos os ministério­s. Menos o Ministério da Defesa. Depois vai ver-se o documento e não há nada de concreto. Nem metas, nem calendário­s, nem indicadore­s a atingir. São só generalida­des. Não são erradas mas são generalida­des.

c) Terceiro: quais são em concreto os investimen­tos que vão ser feitos? Alguns exemplos: as listas de espera nos hospitais vão diminuir? Quando? Ninguém sabe. As unidades de cuidados continuado­s vão aumentar em quanto? Ninguém sabe. As exportaçõe­s vão crescer? Ninguém sabe.

Só há um número concreto. Só um. Na habitação. O Governo prevê construir 25.762 novas habitações em 187 municípios de Portugal.

2. Ficam duas sensações, ambas negativas:

a) A primeira é a sensação de que a generalida­de dos ministério­s não fez o seu trabalho de casa. Logo, não há um plano de acção.

b) A segundo é que ninguém quer assumir responsabi­lidades de fazer escolhas. Logo, ficamos por um plano de ideias gerais. Não é o melhor começo!!

É um OE sem política económica. Não há o que é estruturan­te e que cria riqueza.

Matematica-mente o voto do BE não é indispensá­vel, mas em termos políticos faz toda a diferença.

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LUÍS MARQUES MENDES
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