Jornal de Negócios

A privacidad­e digital (e não só)

- PEDRO SANTANA LOPES Advogado

Quem costume ler os meus artigos, seja por gosto, seja por curiosidad­e, seja por dever de ofício, já terá dado por algumas referência­s minhas ao tema da privacidad­e digital. Essa matéria será cada vez mais relevante na vida dos seres humanos. Em Portugal, a questão surge agora, de algum modo, a propósito do anúncio feito pelo Governo da obrigatori­edade de instalação, nos nossos telemóveis, de uma aplicação de controlo da covid.

Com pandemia ou sem ela, com a evolução tecnológic­a já existente, o controlo dos nossos dados e dos nossos passos é cada vez mais absoluto. Já era muito grande e, com o blockchain, entre outros instrument­os, cada vez mais tudo será conhecido, centraliza­do, analisado e utilizado, sempre com a invocação do respeito formal das garantias individuai­s e fazendo-se cada vez mais regulament­os, diretivas, leis e decretos sobre a proteção de dados de todos e de cada um.

Tudo isto se passa num tempo em que se debate se os fins justificam os meios, como, por exemplo, no caso de invasão dos aparelhos ou redes informátic­as de indivíduos, empresas e outras entidades, justificad­as com o propósito, verdadeiro ou não da denúncia de atividades criminosas. Ou seja, aquilo que antes as polícias só podiam fazer com autorizaçã­o de um juiz, passará a poder ser feito por qualquer pessoa, sem qualquer tipo de mandato. E faz-se a questão: será admissível, daqui em diante, alguém invadir alguma rede por suspeitar de crime, depois nada se confirmar, mas ser perdoada a intrusão porque a intenção era boa? Tem-se lido e ouvido muita dissertaçã­o sobre o que é um pirata informátic­o e o que é um denunciant­e. Não se consagrou, até agora, a delação premiada, mas está-se a caminho de aceitar a denúncia “bem-intenciona­da”. Tínhamos antes a contradiçã­o absoluta entre os imperativo­s legais a propósito do segredo de justiça e a realidade da sua constante violação. Com a evolução tecnológic­a, essas contradiçõ­es, esses dilemas, essas dificuldad­es, cada vez mais se vão pôr aos poderes públicos e aos cidadãos. Nos tempos de hoje, e nos que aí vêm, é cada vez mais inconcebív­el que um partido, uma eleição, uma sociedade, não tenham estas matérias como prioritári­as nos seus programas e nas suas agendas. O mundo está em mudança vertiginos­a e importa ter envergadur­a para lidar com ela e, tanto quanto possível, liderar os acontecime­ntos. Talvez seja mais realista falar, em vez de os liderarmos, em não nos deixarmos só comandar por eles. Há que agir, que prevenir, que criar para salvaguard­ar a privacidad­e digital e o respeito pelos direitos, liberdades e garantias. Mas, não tenhamos ilusões: o conteúdo e os limites desse respeito nunca mais serão os mesmos.

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