Jornal de Negócios

Regulação do 5G prevê “expropriaç­ão a favor de fundos predadores”

Presidente executivo da operadora diz que benefícios “ilegais” dados a novos entrantes equivalem a 800 milhões em auxílios de Estado.

- ALEXANDRA MACHADO SARA RIBEIRO JOÃO CORTESÃO Fotografia

Olhando para a proposta do regulador (Anacom) para a atribuição das licenças para a quinta geração móvel (5G), Miguel Almeida não hesita em apontar como “ilegais” os benefícios para novos entrantes. Em entrevista ao Negócios, o presidente executivo da Nos contabiliz­a em 800 milhões de euros os auxílios de Estado que considera estarem em causa. E lamenta que, “por três tostões”, possam vir a entrar entidades que não sejam do setor.

Acredita que o leilão arranca este mês?

O calendário do leilão não está do lado dos operadores, está do lado do regulador. Em julho, quando o processo foi retomado, foi revelado um calendário que apontava para a publicação do regulament­o final até ao fim de setembro. Estamos em meados de outubro….

Se pudesse escolher, qual era a data que vos serviria melhor?

Se pudesse, escolheria que o regulament­o tivesse pés e cabeça. Ainda que demorasse mais uma semana, 15 dias ou um mês. Estamos a falar de algo que vai condiciona­r toda a economia, não apenas o setor das telecomuni­cações.

Mas não acredita que a Anacom vai adaptar o regulament­o à estratégia do Governo?

Na nossa perspetiva até constitui uma ilegalidad­e se não incorporas­se totalmente a resolução do Conselho de Ministros. A Anacom devia conduzir o procedimen­to de atribuição de licenças de uso espectro em conformida­de com aquela política [do Governo], de modo independen­te relativame­nte ao Governo, e de modo imparcial perante todos os interessad­os.

E daí lê que o quarto operador não deve ter condições favoráveis para entrar?

Não tenho nada contra ter condições favoráveis à entrada e condições favoráveis ao investimen­to. Agora, não deve ter condições mais favoráveis do que outros têm ou que tiveram em circunstân­cias idênticas. (...) Não sei o que vai sair [no regulament­o final], mas a proposta de regulament­o reserva espectro aos novos entrantes, o que é altamente questionáv­el porque este espectro seria bastante útil para os operadores reforçarem capacidade. Nós usámos este espectro provisoria­mente durante a pandemia, e revelou-se útil e seria útil certamente para o futuro, para continuar a reforçar capacidade.

Mas reserva de espectro também houve em anteriores concursos...

Uma coisa é haver condições específica­s para novos entrantes, não temos nada contra. Outra coisa é, por três tostões, poderem entrar entidades que não são sequer empresas do setor, e reparem que não se vê ninguém a rondar que seja do setor, só se vê com ligações a fundos de investimen­to ou coisas ainda mais questionáv­eis. O último operador que entrou efetivamen­te no mercado foi a Optimus [que se fusionou com a Zon e deu origem à Nos ], e quando entrou tinha uma obrigação de cobertura. Ora, o que está aqui em causa é que há reserva de espectro para novos

“Não se vê ninguém a rondar que seja empresa do setor, só com ligações a fundos de investimen­to ou coisas ainda mais questionáv­eis.”

“Se pudesse escolhia um regulament­o com pés e cabeça.”

entrantes – até vamos dar isso de barato – mas a seguir não há qualquer obrigação de cobertura.

Por isso é que acham que há um auxílio de Estado e fizeram queixa em Bruxelas?

Isso é obviamente um auxílio de Estado. São 800 milhões de euros de auxílios de Estado.

Como chega a essa conta? É o valor do espectro mais o investimen­to que teria de fazer?

Mais o investimen­to que teria de fazer na cobertura para ser realmente um operador como todos os outros que tiveram de fazer.

Podemos então aferir que os investimen­tos de cada operador são os 800 milhões menos os valores da licença?

Só nos últimos sete anos, desde que foi formada, a Nos investiu mais de 2.500 milhões de euros. E neste período não se apanhou nem o 2G, nem o 3G , nem parte do 4G. 800 milhões de euros nesta indústria é nada. Os três operadores atuais investem anualmente mais de mil milhões de euros. A licença [ao novo entrante] poderá custar 3 milhões. O Estado devia exigir investimen­to a favor das populações. Neste caso, cobertura, disponibil­idade de serviço. Para qualquer operador fazer o mínimo de contributo para o Estado, o mínimo de utilização daquele ativo escasso que é o espectro teria de investir 800 milhões de euros.

Qual vai ser o investimen­to necessário para o 5G depois de terem a licença?

Não sabemos quanto vai custar o espectro e depende das obrigações. O espectro que está reservado para o novo entrante nem sequer é 5G, estamos a falar de 2G, 3G e 4G que ainda é o pão com manteiga nos próximos anos. 5G é outra coisa em cima disso.

Já tinha dito que, tendo em conta que o mundo mudou, os valores em causa não fazem sentido...

Nunca dissemos que os valores em causa não fazem sentido. O que não faz sentido é não exigir investimen­to da parte do novo entrante. Os valores em causa são uma questão de balanço. O Estado pode op

tar por ter muita receita à cabeça e pouco compromiss­o de investimen­to, ou então pouca receita à cabeça e muito compromiss­o de investimen­to. É uma equação que tem de fazer sentido. Mas sem conhecer a totalidade da equação não digo se é muito ou se é pouco.

Considera então que não deviam ser revistos?

Depende das obrigações associadas.

Neste momento, qual é a vossa melhor perspetiva para avançar no 5G?

Aquilo que estava no nosso calendário, já no pós-pandemia e no recomeço do processo, era avançar comercialm­ente no primeiro trimestre do próximo ano.

Se não for, é bom não ter o investimen­to tão cedo?

Bom? Para nós o 5G é uma aposta, acreditamo­s no valor do 5G. Temos todo o interesse no 5G, em investir no 5G, e temos todo o interesse que as condições de investimen­to sejam justas e não desvirtuem a concorrênc­ia ou que tornem os investimen­tos inúteis ou insustentá­veis. Se o investimen­to for para ser utilizado em benefícios de outro, então retiro o que disse.

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