Regulação do 5G prevê “expropriação a favor de fundos predadores”
Presidente executivo da operadora diz que benefícios “ilegais” dados a novos entrantes equivalem a 800 milhões em auxílios de Estado.
Olhando para a proposta do regulador (Anacom) para a atribuição das licenças para a quinta geração móvel (5G), Miguel Almeida não hesita em apontar como “ilegais” os benefícios para novos entrantes. Em entrevista ao Negócios, o presidente executivo da Nos contabiliza em 800 milhões de euros os auxílios de Estado que considera estarem em causa. E lamenta que, “por três tostões”, possam vir a entrar entidades que não sejam do setor.
Acredita que o leilão arranca este mês?
O calendário do leilão não está do lado dos operadores, está do lado do regulador. Em julho, quando o processo foi retomado, foi revelado um calendário que apontava para a publicação do regulamento final até ao fim de setembro. Estamos em meados de outubro….
Se pudesse escolher, qual era a data que vos serviria melhor?
Se pudesse, escolheria que o regulamento tivesse pés e cabeça. Ainda que demorasse mais uma semana, 15 dias ou um mês. Estamos a falar de algo que vai condicionar toda a economia, não apenas o setor das telecomunicações.
Mas não acredita que a Anacom vai adaptar o regulamento à estratégia do Governo?
Na nossa perspetiva até constitui uma ilegalidade se não incorporasse totalmente a resolução do Conselho de Ministros. A Anacom devia conduzir o procedimento de atribuição de licenças de uso espectro em conformidade com aquela política [do Governo], de modo independente relativamente ao Governo, e de modo imparcial perante todos os interessados.
E daí lê que o quarto operador não deve ter condições favoráveis para entrar?
Não tenho nada contra ter condições favoráveis à entrada e condições favoráveis ao investimento. Agora, não deve ter condições mais favoráveis do que outros têm ou que tiveram em circunstâncias idênticas. (...) Não sei o que vai sair [no regulamento final], mas a proposta de regulamento reserva espectro aos novos entrantes, o que é altamente questionável porque este espectro seria bastante útil para os operadores reforçarem capacidade. Nós usámos este espectro provisoriamente durante a pandemia, e revelou-se útil e seria útil certamente para o futuro, para continuar a reforçar capacidade.
Mas reserva de espectro também houve em anteriores concursos...
Uma coisa é haver condições específicas para novos entrantes, não temos nada contra. Outra coisa é, por três tostões, poderem entrar entidades que não são sequer empresas do setor, e reparem que não se vê ninguém a rondar que seja do setor, só se vê com ligações a fundos de investimento ou coisas ainda mais questionáveis. O último operador que entrou efetivamente no mercado foi a Optimus [que se fusionou com a Zon e deu origem à Nos ], e quando entrou tinha uma obrigação de cobertura. Ora, o que está aqui em causa é que há reserva de espectro para novos
“Não se vê ninguém a rondar que seja empresa do setor, só com ligações a fundos de investimento ou coisas ainda mais questionáveis.”
“Se pudesse escolhia um regulamento com pés e cabeça.”
entrantes – até vamos dar isso de barato – mas a seguir não há qualquer obrigação de cobertura.
Por isso é que acham que há um auxílio de Estado e fizeram queixa em Bruxelas?
Isso é obviamente um auxílio de Estado. São 800 milhões de euros de auxílios de Estado.
Como chega a essa conta? É o valor do espectro mais o investimento que teria de fazer?
Mais o investimento que teria de fazer na cobertura para ser realmente um operador como todos os outros que tiveram de fazer.
Podemos então aferir que os investimentos de cada operador são os 800 milhões menos os valores da licença?
Só nos últimos sete anos, desde que foi formada, a Nos investiu mais de 2.500 milhões de euros. E neste período não se apanhou nem o 2G, nem o 3G , nem parte do 4G. 800 milhões de euros nesta indústria é nada. Os três operadores atuais investem anualmente mais de mil milhões de euros. A licença [ao novo entrante] poderá custar 3 milhões. O Estado devia exigir investimento a favor das populações. Neste caso, cobertura, disponibilidade de serviço. Para qualquer operador fazer o mínimo de contributo para o Estado, o mínimo de utilização daquele ativo escasso que é o espectro teria de investir 800 milhões de euros.
Qual vai ser o investimento necessário para o 5G depois de terem a licença?
Não sabemos quanto vai custar o espectro e depende das obrigações. O espectro que está reservado para o novo entrante nem sequer é 5G, estamos a falar de 2G, 3G e 4G que ainda é o pão com manteiga nos próximos anos. 5G é outra coisa em cima disso.
Já tinha dito que, tendo em conta que o mundo mudou, os valores em causa não fazem sentido...
Nunca dissemos que os valores em causa não fazem sentido. O que não faz sentido é não exigir investimento da parte do novo entrante. Os valores em causa são uma questão de balanço. O Estado pode op
tar por ter muita receita à cabeça e pouco compromisso de investimento, ou então pouca receita à cabeça e muito compromisso de investimento. É uma equação que tem de fazer sentido. Mas sem conhecer a totalidade da equação não digo se é muito ou se é pouco.
Considera então que não deviam ser revistos?
Depende das obrigações associadas.
Neste momento, qual é a vossa melhor perspetiva para avançar no 5G?
Aquilo que estava no nosso calendário, já no pós-pandemia e no recomeço do processo, era avançar comercialmente no primeiro trimestre do próximo ano.
Se não for, é bom não ter o investimento tão cedo?
Bom? Para nós o 5G é uma aposta, acreditamos no valor do 5G. Temos todo o interesse no 5G, em investir no 5G, e temos todo o interesse que as condições de investimento sejam justas e não desvirtuem a concorrência ou que tornem os investimentos inúteis ou insustentáveis. Se o investimento for para ser utilizado em benefícios de outro, então retiro o que disse.