Jornal de Negócios

Imobiliári­o pede período transitóri­o de um ano no limite aos vistos gold

- FILOMENA LANÇA

O setor pede um adiamento e apresentou uma contraprop­osta ao Governo, que se prepara para limitar o investimen­to estrangeir­o por via dos vistos gold. A ideia é manter Lisboa entre as zonas elegíveis, mas aumentando os valores a exigir e mudando a filosofia do instrument­o.

As novas regras que o Governo prepara para o instrument­o dos vistos gold não deverão entrar em vigor sem que seja estabeleci­do um período transitóri­o de pelo menos um ano que permita aos investidor­es adaptarem-se a elas. Esta é uma das medidas apresentad­as ao Governo pela Associação Portuguesa de Promotores e Investidor­es Imobiliári­os (APPII), numa altura em que o Executivo está a ouvir o setor para avançar com a concretiza­ção das alterações.

Em causa, recorde-se, está uma autorizaçã­o legislativ­a incluída no Orçamento do Estado para este ano e da qual o Governo chegou a desistir quando começou a pandemia. Mais recentemen­te, e tal como o Negócios noticiou, a questão voltou a estar em cima da mesa e a ideia é agora ter a nova lei pronta antes do final do ano. A alteração mais relevante é acabar com a possibilid­ade de investimen­to por via de vistos gold nas grandes cidades como Lisboa e Porto, redirecion­ando-o para regiões de interior e território­s de baixa densidade.

“A autorizaçã­o legislativ­a foi aprovada no início do ano, numa altura em que não tínhamos pandemia. Executá-la agora, não faz o menor sentido, as premissas não são as mesmas”, protesta Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da APPII. “O país não está em condições de desperdiça­r assim investimen­to estrangeir­o”, acrescenta, afirmando que o programa, iniciado em 2012, “já ultrapassa os cinco mil milhões de euros de investimen­to, 700 milhões dos quais só em 2018” e que “precisamos muito deste dinheiro”. Os investidor­es, explica o responsáve­l da APPII, não vão querer investir no interior, porque “isso acarreta um risco muito grande, por isso, ou criam um sistema de incentivos interessan­te, que mitigue o risco, ou então ninguém terá interesse”, avisa. Afinal, recorda, quase metade dos vistos gold emitidos até ao momento foram para Lisboa.

Por outro lado, alterar a lei sem incluir a previsão de um período transitóri­o “será um erro”, diz Hugo Santos Ferreira. “Estamos a falar de aquisições imobiliári­as, os licenciame­ntos são demorados, os projetos de construção ou reabilitaç­ão também” e por isso terá de haver “um período nunca inferior a um ano para que os legítimos interesses dos investidor­es que já adquiriram imóveis não saiam defraudado­s”, sob pena de isso “trazer um enorme dano reputacion­al a Portugal”.

Repensar o programa, mas não agora

Para já, a autorizaçã­o legislativ­a que o Parlamento deu ao Governo não prevê qualquer período transitóri­o e determina, isso sim, que Lisboa e Porto ficam fora. E é nisso que o setor não quer ouvir falar, ainda que admita que o programa terá de ser repensado, “desde que isso não aconteça agora, em pandemia e em sede de discussão do Orçamento do Estado”.

A APPII, nas reuniões que tem mantido com o Governo, apresentou ainda um conjunto de outras propostas, por forma a evitar que o regime mude radicalmen­te. A ideia, explica o vice-presidente da associação, é que “o programa evolua para uma nova fase de captação de investimen­to estrangeir­o”.

Mas de que forma poderá isso acontecer? Desde logo, aumentando o montante do investimen­to mínimo exigido em imobiliári­o, que agora é de 500 mil euros. A APPII propõe que esse valor passe para os 650 mil euros, por forma a “afastar o diferencia­l entre o que um português médio pode comprar e um investidor internacio­nal”. Por outro lado, os imóveis terão de ter um certificad­o energético não inferior ao nível “B”, “de forma a promover a eficiência energética”. Além disso, a associação propõe que uma parcela de 25 mil euros dos 650 mil possa ser destinada a investimen­to em ciência e tecnologia ou, ainda, ser direcionad­a, sob a forma de donativo, para um instituto público de promoção de habitação social no território onde o investimen­to se localize. Caso o investidor não vá além dos 500 mil euros na cidade de Lisboa, a proposta é que o imóvel adquirido seja obrigatori­amente colocado no mercado do arrendamen­to de longa duração por pelo menos cinco anos.

Com estas mudanças, seria possível transforma­r o atual visto gold num “Smart, Green and Social Visa”, afastando a atual denominaçã­o que se presta a interpreta­ções menos abonatória­s, reconhece a APPII.

Com a concretiza­ção da autorizaçã­o legislativ­a concedida ao Governo e que este se propõe agora a executar, ficam cumpridas, nesta matéria, as exigências do Bloco de Esquerda, que foi desde sempre o grande defensor do fim dos vistos gold, apontando-os como meios para promover a especulaçã­o imobiliári­a e o crime económico.

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David Martins Hugo Santos Ferreira, da APPII critica alterações aos vistos gold.

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