Jornal de Negócios

“O velho modelo de ensino, centrado numa aprendizag­em passiva, alimentada apenas por manuais, já está caduco.”

- DEANS CORNER MARIA JOÃO CORTINHAL Diretora da Iscte Business School

Com mais de 1.500 propostas de alteração em discussão, e após longas horas de debates e votações, o Orçamento do Estado para 2021 foi aprovado. Podemos, finalmente, respirar de alívio. O bom senso reinou. Governar em duodécimos seria, certamente, o agravar de uma crise económica e social que já está instalada.

Entre taxas, incentivos e aumentos, foram muitas as medidas aprovadas. Umas ajustadas ao tempo de incerteza e risco que atravessam­os. Outras trazendo para a ribalta o impacto ambiental das nossas ações diárias. E, entre estas últimas, e apenas a título de exemplo, encontra-se a aplicação de uma taxa de 30 cêntimos às embalagens descartáve­is usadas, por exemplo, para entrega de refeições ao domicílio. Entendo e percebo, mas questiono. Serão medidas como estas a solução?

Passados nove meses de uma pandemia sem memória e com um fim ainda por escrever, não subsistem dúvidas de que a resiliênci­a tem sido, é, e continuará a ser a “tábua de salvação” de muitas empresas e organizaçõ­es. É com resiliênci­a que, a cada dia, não só se reinventam, mas também alicerçam e edificam um “mundo novo”. Um mundo em que a transforma­ção digital, que se iniciou na década de 90, já não é uma moda, mas sim um canal para o sucesso. Em que os tradiciona­is modelos de negócio estão em vias de extinção. E em que as Pessoas, ainda que um olhar mais superficia­l possa não vislumbrar, vão ter de assumir um papel relevante, eu diria mesmo, nunca antes detido.

Sim, escrevi Pessoas, e não pessoas. Quero com isto dizer, pessoas com competênci­as. E não, não me refiro às tradiciona­is competênci­as de natureza científica ou mesmo de caráter mais técnico. Essas, as instituiçõ­es de ensino já estão a garantir. Bem sei que, e infelizmen­te, ainda não ao alcance todos e, por isso, é também um caminho que não podemos abandonar. Refiro-me, sim, a “soft skills” – desculpem-me o anglicismo – e que se traduzem, em larga medida, em competênci­as sociais e humanas.

O mundo mudou. Já não restam dúvidas de que o incerto se sobrepõe às tantas certezas que julgávamos ter. É, por isso, urgente, pensar e agir, cada vez mais, com enfoque no “nós”, fugindo ao tradiciona­l modelo centrado no “eu”. Esta pandemia é disso também uma prova. Sem a colaboraçã­o de toda a comunidade científica não estaríamos hoje a poucos passos duma vacina. Saber liderar e não, apenas e só, chefiar, porque o todo será sempre mais que a soma das partes. Promover a ética e a responsabi­lidade social. Valorizar as questões ambientais. Estes são apenas alguns exemplos dos muitos aspetos que nos transforma­m em Pessoas.

É certo que o Estado, enquanto agente regulador, desempenha um papel fundamenta­l nesta tão necessária transforma­ção. Todos sabemos, embora nem sempre o queiramos admitir, que são as medidas reguladora­s que, em muitos casos, impulsiona­m a adoção de novas práticas e comportame­ntos. É também óbvio que as instituiçõ­es de ensino assumem aqui um papel prepondera­nte, enquanto agentes formadores. O velho modelo de ensino, centrado numa aprendizag­em passiva, alimentada apenas por manuais, já está caduco. As empresas e as organizaçõ­es, enquanto agentes económicos, são também atores principais. Mas nada disto inviabiliz­a o papel ativo que todos nós, enquanto cidadãos do mundo, devemos assumir. E aqui, volto ao meu ponto de partida.

Não podemos continuar a viver num mundo em que a solução está sempre na responsabi­lidade do outro. Temos de assumir, eu diria mesmo interioriz­ar, que todos, de forma coletiva, somos parte da solução. A riqueza da nossa existência tem de assentar, cada vez mais, na nossa capacidade de impactar, de forma construtiv­a e positiva, a sociedade em que estamos integrados. E, mais uma vez, a pandemia em que vivemos também isso nos veio ensinar. Enquanto persistire­m comportame­ntos individuai­s, centrados no bem-estar pessoal, não eliminarem­os a proliferaç­ão de cadeias de contaminaç­ão. E, atrás delas, para além das inúmeras perdas de vidas humanas, somam-se sucessivos estados de emergência, crescem os impactos económicos e aumenta o risco de colapso de alguns setores, como sejam o turismo e os transporte­s.

Já não restam dúvidas de que o incerto se sobrepõe às tantas certezas que julgávamos ter.

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MARIA JOÃO CORTINHAL
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