Está a trabalhar?
Se está a ler este artigo é provável que seja um dos portugueses que está a trabalhar nesta segunda-feira. A sua empresa não seguiu o apelo do primeiro-ministro para que fechasse as portas, porque o ano já está a ser um pesadelo pior do que alguém imaginou ser possível, devido ao impacto da pandemia. Não será, em princípio, funcionário público, já que estes foram dispensados das suas responsabilidades laborais nas duas “pontes” para restringir a circulação.
Talvez até esteja em teletrabalho, fazendo parte de uma minoria de 20% que pôde adotar este regime, de acordo com um inquérito do Ministério do Trabalho. Se for pai ou mãe de filhos pequenos em idade escolar, sabe que conciliar o trabalho em casa com o acompanhamento das crianças pode ser barra pesada. Mas pelo menos não teve de meter um dia de férias ou uma falta justificada, sem direito a rendimento, para ficar com as crianças. Nem teve, em desespero, de os deixar com os avós ou outros cuidadores, mesmo sabendo que a covid-19 não o recomenda.
Talvez esteja a questionar porque é que uns têm tolerância de ponto e os outros estão obrigados à tolerância de perda de férias e de rendimentos. Ou se forem empregadores, à perda de produção ou de negócio. E, como se não bastasse, ainda ter de levar com um “email” do Ministério a apelar à mobilização para este momento difícil.
A injustiça das medidas do Governo não se fica apenas pelo tratamento desigual a que são votados os trabalhadores do privado. O regime aprovado para as “pontes” equivale a um imposto regressivo, já que os trabalhadores que não podem ficar em teletrabalho, além de serem a maioria, são tendencialmente menos qualificados e têm empregos pior remunerados. Se tiverem que pôr falta nesta e na próxima segunda-feira, perdem 7% do rendimento.
Não há drama. A ministra Ana Mendes Godinho tem a solução: “deve haver uma gestão de partilha entre os pais: um dia ser um dos pais, outro dia ser outro”. Assim perdem rendimento à vez... muito melhor!
A eficácia da medida é questionável. Se alguém queria ir passear ou dar um salto à terra, partindo na sexta e regressando na quarta de manhã, encontrou a desculpa perfeita – nem sequer é preciso as crianças perderem um dia de escola. Se é assim tão relevante para resolver a crise sanitária, então António Costa deveria ter estendido o subsídio aprovado para o confinamento obrigatório também a estes dias.
Não há subsídio, provavelmente, porque os cofres públicos não aguentam. Bom, então tomem-se outras medidas.