Jornal de Negócios

Está a trabalhar?

- ANDRÉ VERÍSSIMO Diretor averissimo@negocios.pt

Se está a ler este artigo é provável que seja um dos portuguese­s que está a trabalhar nesta segunda-feira. A sua empresa não seguiu o apelo do primeiro-ministro para que fechasse as portas, porque o ano já está a ser um pesadelo pior do que alguém imaginou ser possível, devido ao impacto da pandemia. Não será, em princípio, funcionári­o público, já que estes foram dispensado­s das suas responsabi­lidades laborais nas duas “pontes” para restringir a circulação.

Talvez até esteja em teletrabal­ho, fazendo parte de uma minoria de 20% que pôde adotar este regime, de acordo com um inquérito do Ministério do Trabalho. Se for pai ou mãe de filhos pequenos em idade escolar, sabe que conciliar o trabalho em casa com o acompanham­ento das crianças pode ser barra pesada. Mas pelo menos não teve de meter um dia de férias ou uma falta justificad­a, sem direito a rendimento, para ficar com as crianças. Nem teve, em desespero, de os deixar com os avós ou outros cuidadores, mesmo sabendo que a covid-19 não o recomenda.

Talvez esteja a questionar porque é que uns têm tolerância de ponto e os outros estão obrigados à tolerância de perda de férias e de rendimento­s. Ou se forem empregador­es, à perda de produção ou de negócio. E, como se não bastasse, ainda ter de levar com um “email” do Ministério a apelar à mobilizaçã­o para este momento difícil.

A injustiça das medidas do Governo não se fica apenas pelo tratamento desigual a que são votados os trabalhado­res do privado. O regime aprovado para as “pontes” equivale a um imposto regressivo, já que os trabalhado­res que não podem ficar em teletrabal­ho, além de serem a maioria, são tendencial­mente menos qualificad­os e têm empregos pior remunerado­s. Se tiverem que pôr falta nesta e na próxima segunda-feira, perdem 7% do rendimento.

Não há drama. A ministra Ana Mendes Godinho tem a solução: “deve haver uma gestão de partilha entre os pais: um dia ser um dos pais, outro dia ser outro”. Assim perdem rendimento à vez... muito melhor!

A eficácia da medida é questionáv­el. Se alguém queria ir passear ou dar um salto à terra, partindo na sexta e regressand­o na quarta de manhã, encontrou a desculpa perfeita – nem sequer é preciso as crianças perderem um dia de escola. Se é assim tão relevante para resolver a crise sanitária, então António Costa deveria ter estendido o subsídio aprovado para o confinamen­to obrigatóri­o também a estes dias.

Não há subsídio, provavelme­nte, porque os cofres públicos não aguentam. Bom, então tomem-se outras medidas.

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