“A bazuca europeia não é para responder à crise conjuntural”
O coordenador da UTAO avisa que a solidariedade política europeia pode desaparecer “de um momento para o outro”. E por isso recomenda prudência na gestão das contas públicas portuguesas.
AEuropa está a responder bem à crise, diz o coordenador da UTAO, Rui Nuno Baleiras. Mas os instrumentos para atacar a recessão do curto prazo são limitados e a bazuca não servirá para isso, assegura.
Como avalia a resposta da União Europeia à crise?
Começou “titubeante” e está a correr bem. Esta crise, por enquanto, é conjuntural, porque foi provocada pela pandemia. Se os danos na capacidade produtiva forem mínimos, em 2022 poderemos retomar a marcha. A UE tem um conjunto limitado financeiramente de instrumentos de resposta conjuntural e tem, ou espera-se que venha a ter, um envelope financeiro para os planos de recuperação e resiliência. Esta parte não é para responder à crise conjuntural. É para promover a transição para uma nova estrutura económica. A tal bazuca de que se fala não é para responder às quedas de PIB de 2020 e 2021.
Se a bazuca chegar.
Mas se vier não é para isso, não nos iludamos, a resposta conjuntural tem de ser dada enquanto a pandemia cá está, em 2020 e em 2021, e é com os recursos que temos e as restrições que conhecemos. A Comissão Europeia teve nesta dimensão conjuntural uma ação importante porque agilizou a transformação das verbas não comprometidas dos fundos estruturais no quadro comunitário em vigor. A suspensão dos limites do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) é também uma resposta temporária. A UE tem tido um papel muito ativo na contratação de vacinas em nome dos Estados-membros e países como Portugal vão beneficiar muito deste chapéu de compras públicas centralizadas. Senão não íamos ter as vacinas em tempo, nem em preço, nas condições que vamos ter.
E no médio prazo?
Temos o Plano de Recuperação e Resiliência e o próximo quadro de fundos estruturais para 2021-2027. E aqui apraz-me registar um bom ponto de partida no planeamento nacional. Desta vez, temos um Ministério do Planeamento, que não é cliente de fundos estruturais, talvez por isso seja olhado com mais respeitabilidade, e que conseguiu passar em Conselho de Ministros uma orientação importante: ter orientações estratégicas comuns para todos os planos de desenvolvimento.
A UE deveria dizer já aos países se a válvula de escape do PEC se vai manter em 2022?
A situação regulamentar que temos é apropriada. Damos um horizonte de curto prazo aos governos nacionais. Uma coisa são os limites legais ao saldo e à dívida, outra, ainda mais importante, é o que os mercados entendem emprestar, e a que preço...
Mas os programas do BCE baixam os juros da dívida. Portugal aproxima-se de zero e tem a dívida que tem.
É verdade, isso não existiu na crise anterior. Mas não é só Portugal que necessita de se financiar, nem são só os 27 Estados da UE. Também são os EUA, a China, a Rússia, África. E onde está a poupança a nível mundial suficiente para isto? Este problema ainda não se pôs, traduzido numa diferenciação do prémio de risco pelos vários soberanos, porque os bancos centrais estão a ter uma política acomodatícia.
Exato.
Mas as coisas podem mudar de um momento para o outro. É para não perdermos as ilações da crise de 2008. Houve um momento inicial de grande solidariedade. A senhora Merkel dizia ao primeiro-ministro Sócrates “gasta, gasta à vontade, porque vem aí o diabo”. Porém, logo em 2010, uns analistas começam a olhar para o que está debaixo do tapete. As empresas de rating exponenciaram as preocupações. E onde estava a coesão política na altura? Desapareceu. O grau de consenso político que há na UE de um momento para o outro pode desaparecer. E aí corremos por conta própria. Temos de ser prudentes, manter a reputação de Portugal como bom pagador. A cláusula de revogação geral do PEC diz que os países podem infringir os limites desde que tenham perspetivas de cumprimento no médio prazo. Um Estado-membro que continue a agravar o saldo, a dívida pública, arrisca-se a um procedimento por défices excessivos já em 2021.
Apesar da cláusula?
Exatamente. As pessoas não se recordam do que está depois da vírgula. Os limites estão suspensos, vírgula, desde que a situação das finanças públicas esteja equilibrada no médio prazo. E não são declarações de ministros das Finanças que dão essa garantia, são as continhas.
“O grau de consenso político da UE de um momento para o outro pode desaparecer.”
“Quem continue a agravar o saldo, a dívida pública, arrisca-se a um PDE já em 2021.”