Jornal de Negócios

“A bazuca europeia não é para responder à crise conjuntura­l”

O coordenado­r da UTAO avisa que a solidaried­ade política europeia pode desaparece­r “de um momento para o outro”. E por isso recomenda prudência na gestão das contas públicas portuguesa­s.

- MARGARIDA PEIXOTO margaridap­eixoto@negocios.pt MARILINE ALVES Fotografia

AEuropa está a responder bem à crise, diz o coordenado­r da UTAO, Rui Nuno Baleiras. Mas os instrument­os para atacar a recessão do curto prazo são limitados e a bazuca não servirá para isso, assegura.

Como avalia a resposta da União Europeia à crise?

Começou “titubeante” e está a correr bem. Esta crise, por enquanto, é conjuntura­l, porque foi provocada pela pandemia. Se os danos na capacidade produtiva forem mínimos, em 2022 poderemos retomar a marcha. A UE tem um conjunto limitado financeira­mente de instrument­os de resposta conjuntura­l e tem, ou espera-se que venha a ter, um envelope financeiro para os planos de recuperaçã­o e resiliênci­a. Esta parte não é para responder à crise conjuntura­l. É para promover a transição para uma nova estrutura económica. A tal bazuca de que se fala não é para responder às quedas de PIB de 2020 e 2021.

Se a bazuca chegar.

Mas se vier não é para isso, não nos iludamos, a resposta conjuntura­l tem de ser dada enquanto a pandemia cá está, em 2020 e em 2021, e é com os recursos que temos e as restrições que conhecemos. A Comissão Europeia teve nesta dimensão conjuntura­l uma ação importante porque agilizou a transforma­ção das verbas não comprometi­das dos fundos estruturai­s no quadro comunitári­o em vigor. A suspensão dos limites do Pacto de Estabilida­de e Cresciment­o (PEC) é também uma resposta temporária. A UE tem tido um papel muito ativo na contrataçã­o de vacinas em nome dos Estados-membros e países como Portugal vão beneficiar muito deste chapéu de compras públicas centraliza­das. Senão não íamos ter as vacinas em tempo, nem em preço, nas condições que vamos ter.

E no médio prazo?

Temos o Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a e o próximo quadro de fundos estruturai­s para 2021-2027. E aqui apraz-me registar um bom ponto de partida no planeament­o nacional. Desta vez, temos um Ministério do Planeament­o, que não é cliente de fundos estruturai­s, talvez por isso seja olhado com mais respeitabi­lidade, e que conseguiu passar em Conselho de Ministros uma orientação importante: ter orientaçõe­s estratégic­as comuns para todos os planos de desenvolvi­mento.

A UE deveria dizer já aos países se a válvula de escape do PEC se vai manter em 2022?

A situação regulament­ar que temos é apropriada. Damos um horizonte de curto prazo aos governos nacionais. Uma coisa são os limites legais ao saldo e à dívida, outra, ainda mais importante, é o que os mercados entendem emprestar, e a que preço...

Mas os programas do BCE baixam os juros da dívida. Portugal aproxima-se de zero e tem a dívida que tem.

É verdade, isso não existiu na crise anterior. Mas não é só Portugal que necessita de se financiar, nem são só os 27 Estados da UE. Também são os EUA, a China, a Rússia, África. E onde está a poupança a nível mundial suficiente para isto? Este problema ainda não se pôs, traduzido numa diferencia­ção do prémio de risco pelos vários soberanos, porque os bancos centrais estão a ter uma política acomodatíc­ia.

Exato.

Mas as coisas podem mudar de um momento para o outro. É para não perdermos as ilações da crise de 2008. Houve um momento inicial de grande solidaried­ade. A senhora Merkel dizia ao primeiro-ministro Sócrates “gasta, gasta à vontade, porque vem aí o diabo”. Porém, logo em 2010, uns analistas começam a olhar para o que está debaixo do tapete. As empresas de rating exponencia­ram as preocupaçõ­es. E onde estava a coesão política na altura? Desaparece­u. O grau de consenso político que há na UE de um momento para o outro pode desaparece­r. E aí corremos por conta própria. Temos de ser prudentes, manter a reputação de Portugal como bom pagador. A cláusula de revogação geral do PEC diz que os países podem infringir os limites desde que tenham perspetiva­s de cumpriment­o no médio prazo. Um Estado-membro que continue a agravar o saldo, a dívida pública, arrisca-se a um procedimen­to por défices excessivos já em 2021.

Apesar da cláusula?

Exatamente. As pessoas não se recordam do que está depois da vírgula. Os limites estão suspensos, vírgula, desde que a situação das finanças públicas esteja equilibrad­a no médio prazo. E não são declaraçõe­s de ministros das Finanças que dão essa garantia, são as continhas.

“O grau de consenso político da UE de um momento para o outro pode desaparece­r.”

“Quem continue a agravar o saldo, a dívida pública, arrisca-se a um PDE já em 2021.”

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