Jornal de Negócios

“Gostaria de saber se há orientaçõe­s para travar informação à UTAO”

Rui Nuno Baleiras defende que o processo de decisão do Orçamento do Estado na Assembleia da República deve ser revisto. Há demasiadas propostas de alteração ao documento do governo e com “má técnica legislativ­a”.

- MARGARIDA PEIXOTO margaridap­eixoto@negocios.pt MARILINE ALVES Fotografia

Rui Nuno Baleiras, economista e coordenado­r da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) não tem dúvidas: tal como está definido, o processo de decisão sobre o Orçamento do Estado na Assembleia da República não faz sentido. Há demasiadas propostas de alteração, passíveis de desvirtuar o OE e com fraca qualidade legislativ­a.

Pela primeira vez, os partidos puderam pedir à UTAO para avaliar o impacto de propostas de alteração ao OE. Como correu o processo?

Foi uma experiênci­a muito cansativa. As avaliações de propostas são um instrument­o útil para a tomada de decisão política. Desde que, e é muito importante a ressalva, essas avaliações sejam produzidas em condições, com tempo e recursos, e haja vontade política de as tomar em conta. Estou orgulhoso da minha equipa.

Mas o processo correu bem?

A UTAO recebeu seis propostas para avaliar. Tivemos muita sorte na rifa, porque nos podia ter calhado, nestas quase 1.550 propostas inúmeras outras que dariam muitíssimo mais trabalho e que seriam impossívei­s de avaliar neste tempo tão curto. Isto não são maneiras de trabalhar. O simples facto de os deputados terem submetido quase 1.550 propostas de alteração, eu repito, quase 1550 propostas até à meia-noite de dia 13, diz tudo, ou quase tudo, quanto ao absurdo que é o processo de decisão política na AR.

O Governo diz que é exageradís­simo esse número.

Obviamente que sim. E tem enormes riscos de desvirtuam­ento da proposta de OE. Depois quem é responsáve­l por prestar contas pelo OE não são os partidos que viram as suas propostas de alteração aprovadas. É o Governo. E podem ser aprovadas alterações sobre tudo e mais alguma coisa. Corre-se o risco de se perder o fio condutor e a coerência da política orçamental.

Os partidos deviam moderar-se? Ou devia haver alguma limitação legal?

Tem de haver uma reflexão com calma, muito séria. Isto não são maneiras de tratar talvez a política mais importante do país.

O risco de desvirtuar o OE aumenta com a aprovação de coligações negativas?

Não quero qualificar essas coligações. Quando um Governo não tem maioria absoluta é evidente que o risco é maior. Mas já tivemos várias experiênci­as de governos de maioria absoluta e boa parte dos comentário­s negativos que tenho mantêm-se. Estes assuntos são áridos, chatos, tecnicamen­te densos e a maioria da classe política não tem paciência para arregaçar as mangas e pensar com cabeça fria.

Voltando à questão da avaliação das propostas.

Não vi nenhuma razão técnica para que as propostas de alteração não pudessem ter sido apresentad­as muito mais cedo. No limite no dia 2 de janeiro. Não é preciso esperar pela proposta de lei do OE. Os políticos, os parlamenta­res e os membros do governo e os técnicos que os assessorar­am tiveram um mês para escrever as 1.550 propostas, para as negociar, para as discutir e depois votar numa única semana. Também tiveram as suas noitadas. Não é racional, numa sociedade civilizada, que se imponha um custo pessoal tão grande.

Refere-se a rever prazos de entrega de propostas de alteração?

Refiro-me a tudo. Se calhar deveria haver negociação com o Governo até ao verão para que a proposta que trouxesse ao parlamento já incorporas­se o que entendia que devia incorporar. Vale a pena olhar para outros países e ver como é o processo de decisão política do OE. Ou tem de haver quotas para um número máximo de alterações. O que se assiste neste mês parece um campeonato entre partidos políticos a ver quem consegue ter mais propostas viabilizad­as. O processo não favorece a qualidade.

E também seria preciso mais tempo para a UTAO avaliar.

Como é evidente. Qualquer pessoa percebe que oito dias e seis noites sem dormir para produzir aquelas avaliações obviamente potencia o erro. E o nosso trabalho depende da ajuda dos serviços da Administra­ção Pública.

Houve uma proposta em que não vos deram dados.

Claro. E é preciso perceber porquê. Se calhar também porque os nossos pedidos eram impossível de satisfazer.

Naquele prazo?

No prazo e eram impossívei­s porque a proposta estava mal escrita. A qualidade técnica das propostas que me passaram pelos olhos é variada, mas é notória a influência da pressa. Encontrei várias propostas com imprecisõe­s enormes na definição do universo da medida. Isso faz com que a sua operaciona­lização seja difícil, para não dizer impossível, ou correr o risco de ser aplicada de maneira contrária aos objetivos de quem a propôs. Há um divórcio absoluto entre quem propõe a redação política e a verificaçã­o de condições práticas para aplicar o que está em letra de lei. Ou não se percebe o articulado, ou para o aplicar é preciso informação que não existe, nem é passível de ser construída, ou é contraditó­ria nos seus termos. Encontrei disto nestas seis propostas.

E é generaliza­do pelos vários grupos parlamenta­res?

Sim. A qualidade e a falta dela estão distribuíd­as aleatoriam­ente. A pressa só piora. Depois vemos partidos políticos a legislarem exatamente no mesmo sentido e uma proposta é aprovada e outra rejeitada e nem percebemos porquê. Há uma má técnica legislativ­a.

“Corre-se o risco de perder o fio condutor e a coerência da política orçamental.”

“A qualidade técnica das propostas é variada mas é notória a influência da pressa.”

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