Jornal de Negócios

“António Costa e Catarina Martins viram-se finalmente livres um do outro.”

- ANTÓNIO MOITA

No meio da pandemia e da confusão em que o país está, eis que toda a discussão dos últimos dias se centrou no Orçamento do Estado para 2021. Politicame­nte não deixa de ser interessan­te analisar alguns sinais que irão marcar o futuro. António Costa e Catarina Martins viram-se finalmente livres um do outro. Jerónimo de Sousa, líder de um partido fragilizad­o, precisa de tempo e não lhe convinha nada ser responsáve­l por uma crise política neste momento. Rui Rio, depois de ter sido provocado pelo primeiro-ministro e de sentir que sopram ventos de mudança, não perdeu a oportunida­de de criar desconfort­o aos socialista­s nem que para isso tivesse de se aliar a quem não se esperaria. Mas as alianças – as internas, a dos Açores e agora a do orçamento –,por mais difíceis de explicar que possam parecer, não constituem qualquer problema para o pragmático líder social-democrata.

Muitos já são os que dizem que este será o último orçamento deste Governo. Provavelme­nte com razão. À medida que a crise económica e social se for agudizando, o confronto partidário irá subir de tom. Sem condições para acorrer a todas as situações de emergência que já estão a surgir, António Costa irá acabar por perder o controlo da situação por mais remodelaçõ­es ministeria­is que faça. Acresce que os atrasos nas negociaçõe­s sobre o pacote de salvação europeu terão como inevitável consequênc­ia um atraso na transferên­cia dos fundos que não começarão a chegar antes do final de 2021. A partir da primavera teremos um Presidente Marcelo menos colaboraci­onista, provocador e muito mais pressionan­te. E se o resultado das eleições autárquica­s para o PS for uma derrota ou souber a “poucochinh­o”, então aí teremos a tempestade perfeita e o prenúncio de uma declaração semelhante à de António Guterres exatamente 20 anos depois. Se o que levou o atual secretário-geral da ONU a perceber que se encontrava num pântano não mudou assim tanto ao longo destas duas décadas, é absolutame­nte normal que agora mais alguém possa vir a sentir a mesma coisa. Teremos certamente um 2021 muito agitado politicame­nte. Infelizmen­te, em vez da união que poderia trazer força, assistirem­os a uma separação completa das águas que apenas acentuará a dificuldad­e em governar. E não se diga que a culpa é deste ou daquele. Neste domínio não há inocentes.

Também por isso me faz alguma confusão assistir às discussões estéreis em torno do Orçamento do Estado. Em cima de uma versão base apresentad­a pelo Governo que todos sabem estar completame­nte desatualiz­ada mesmo antes de entrar em vigor, tivemos mais de 1.500 propostas de alteração apresentad­as pelos diferentes partidos e que, quase na sua totalidade, não são mais do que tentativas de fazer baixar a receita e subir a despesa. Num ano em que a receita fiscal estimada está seriamente comprometi­da pela quebra de rendimento das empresas e dos trabalhado­res (com a insólita exceção dos funcionári­os públicos) e em que o aumento das despesa pública será muito mais elevado do que a estimativa apresentad­a, fácil será antever que quase tudo o que foi discutido, negociado sob palavra de honra e aprovado não será possível de cumprir. E se assim será, e todos estão consciente­s de que assim vai ser, para quê tanta discussão. Só contribuiu para minar ainda mais o caminho que teremos de percorrer. A ver vamos se os orçamentos retificati­vos que já se anunciam irão passar no Parlamento. Como serão todos para alterar o que se prometeu agora, não será fácil encontrar quem os queira aprovar. Com a exceção, claro está, daquele que vier propor transferir mais dinheiro para o Novo Banco. O PSD já anunciou que, ao contrário do que fez agora, o aprovará em nome da credibilid­ade de Portugal. Haja saúde e muita paciência.

António Costa e Catarina Martins viram-se finalmente livres um do outro.

Muitos já são os que dizem que este será o último orçamento deste Governo.

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