Dívida e desemprego são os maiores desafios económicos
É a segunda maior economia da Zona Euro e quer afirmar-se como o país da União Europeia que encontra o melhor equilíbrio entre as exigências liberalizadoras da nova economia do século XXI e a preservação do Estado-social europeu de que se orgulha de ser u
É um dos desequilíbrios excessivos da economia francesa ao olhos da Comissão Europeia, e um dos principais desafios para os próximos anos. A taxa de desemprego mantém-se próxima dos 10% da população activa desde o início desta década, e o desemprego de longa duração continua a aumentar. Perante este desempenho, a Comissão Europeia defende que França deve reduzir os custos laborais, moderar o aumento do salário mínimo, e flexibilizar a lei laboral – e considera que o Governo fez progressos substanciais sob a coordenação de Emmanuel Macron, então ministro do Trabalho. Ainda assim, defende que mais deve ser feito para reformar o sistema de subsídio de desemprego de forma a reduzir custos e a aumentar os incentivo à procura de emprego. Outras das recomendações que tem seguido de Bruxelas para Paris é a de que melhore a ligação entre o sistema de ensino e o mercado de trabalho de forma a aumentar a empregabilidade dos mais jovens, que enfrentam uma taxa de desemprego de 25%. Nas últimas previsões da Comissão Europeia, França deverá crescer 1,4% este ano, uma ligeira aceleração face a 2015, mas ainda assim um número que não impressiona e que fica atrás do esperado para Portugal ou para a Alemanha. São precisas reformas que flexibilizem a economia, reduzam a carga fiscal e promovam a competitividade externa, defendem a Comissão Europeia e o FMI. Estas são posições acompanhadas em França pelos mais liberais, mas criticadas à esquerda que defende a urgência de mais investimento e menos austeridade. No debate sobre a orientação das políticas públicas na Europa, a França surge muitas vezes caracterizada como o exemplo de uma economia com um Estado grande e pesado, legislação rígida e pouco adaptada à economia do século XXI. Mas para muitos franceses o que está implícito nessas críticas é um ataque ao seu Estado-social, e à defesa dos direitos dos trabalhadores face à excessiva pressão liberalizadora da nova economia. A favor do actual modelo francês podem ser usados vários dados sobre pobreza e desigualdade. Segundo dados do Eurostat, em 2015, 17,7% da população estava em risco de pobreza ou de exclusão social – ou seja, com baixos rendimentos, muito poucas horas trabalhadas ou graves faltas de bens materiais. O valor compara com 20% na Alemanha (que tem menos desemprego) e quase 27% em Portugal. A França regista também um menor nível de desigualdade de rendimentos que a Alemanha (e muito inferior à portuguesa), embora ainda assim substancialmente superior aos registados nas economias nórdicas da UE. França, tal como Portugal, está sujeita a um Procedimento dos Défices Excessivos (PDE) desde 2009, por ter ultrapassado o limite de défice de 3% do PIB. Tem no entanto beneficiado de flexibilidade acrescida de Bruxelas no adiamento do prazo reduzir o seu défice para baixo do limite europeu. Assim, enquanto Portugal está apostado em fechar o PDE já em Maio – tendo registado um défice orçamental de 2% do PIB em 2016 –, França poderá fazê-lo apenas no final de 2017. Mesmo assim, segundo as últimas previsões, arrisca não cumprir. Os impostos são sempre uma das áreas mais sensíveis numa economia. França não só não é excepção, como é até uma das economias onde o tema gera mais debate, em parte pelo elevado peso dos impostos (necessário para suportar o elevado nível de despesa pública). Segundo os últimos dados da Comissão Europeia, a carga fiscal no país, incluindo um ajustamento às contribuições para a Segurança Social dos funcionários públicos, ascenderá este ano a 47,7% do PIB, o valor mais elevado de toda a Zona Euro, e bem acima dos 41,4% de média entre os países com moeda única. Para a Comissão Europeia, mas não só, esta carga fiscal pesa sobre a capacidade de crescimento e investimento francesa. É por isso que defende um redução da carga fiscal sobre empresas e sobre o trabalho, compensada em parte pelo aumento da taxa de IVA normal que está actualmente em 20%. Bruxelas defende ainda uma reforma fiscal que gere ganhos de eficiência, com eliminação ou redução das muitas taxas de IVA reduzido, de alguns benefícios fiscais, e introdução de uma taxa de retenção na fonte em sede de IRS.
A França é um dos países onde a despesa publica mais pesa no PIB: 56% este ano, o segundo maior valor da Zona Euro (atrás do finlandês). A Comissão Europeia tem recomendado à França várias medidas para aliviar o peso do Estado na Economia: além de incentivar a realização de exercícios de revisão de despesa que possam gerar ganhos de eficiência visíveis – nomeadamente na Administração Local – Bruxelas propõe, por exemplo, cortes em despesas sociais, como o subsídio de desemprego. A França beneficia de condições de financiamento muito favoráveis, e a sua estrutura de dívida, em termos de maturidades e instrumentos, não coloca riscos de curto prazo, defende a Comissão Europeia que, no entanto, insiste na importância de uma estratégia de redução do endividamento: uma dívida próxima dos 100% do PIB e que tem vindo a subir “constitui uma vulnerabilidade para a economia e reduz o espaço orçamental disponível para responder a choques futuros”, lê-se na última análise à situação económica e financeira francesa. Os riscos do endividamento são os mesmos que muitas vezes são apontados a Portugal: além de representar um desafio para o sistema financeiro, mais dívida pública implica um fardo de juros mais alto que pesa sobre as perspectivas de crescimento, ao travar investimento público e exigir uma carga fiscal mais elevada. Face ao diagnóstico, a Comissão Europeia tem insistido na importância de uma consolidação orçamental mais ambiciosa, até porque França não pode contar com grande ajuda do crescimento que, nas previsões europeias, se manterá baixo. É um dos debates mais quentes na Europa. Afinal, a França com Estado grande, impostos altos e protecção laboral restritiva, é muito menos produtiva que a Alemanha? Os dados do PIB anual produzido por hora trabalhada mostram que não: cada uma das economias produz qualquer coisa como 55 euros por hora, mostram dados da Comissão Europeia. Mas enquanto a Alemanha poupa e exporta – acumulando um excedente externo recorde – a França consome e investe, gerando défices – e evidenciando falta de competividade externa. A França não tem um problema de endividamento externo, mas há uma década que vem acumulando défices na balança externa, ainda que pequenos. Esta é uma das razões que levam Bruxelas a aconselhar políticas que aumentem a competitividade externa da economia, seja baixando a carga fiscal ou os custos do trabalho. “Apesar da sustentabilidade externa não ser uma preocupação para a França no curto prazo, um fraco desempenho das exportações pesa nas perspectivas de crescimento”, lê-se na análise aprofundada à economia publicada pela Comissão Europeia em Fevereiro. A posição de investimento internacional, ou seja a diferença entre activos e passivos franceses sobre o exterior, foi negativa em 16,4% do PIB no final de 2015, o que compara com os -110% portugueses e o excedente de quase 50% da Alemanha. Olhando apenas para a dívida externa bruta, a posição francesa fica mais sensível: 117,9% do PIB no final de 2016, o que compara com 131% do PIB em Portugal e 86% do PIB na Alemanha. O sistema financeiro francês aguentou relativamente bem a crise, partilhando com as economias do norte da Europa os benefícios da estratégia europeia de evitar reestruturações de dívida nas economias do Sul. Desde 2009, a banca no seu conjunto nunca sofreu prejuízos, mostram dados da Comissão Europeia; entre 2013 e 2016 registou uma taxa anual de rendibilidade dos capitais próprios entre 3,7% e 6,8%, mais do dobro da alemã – e muito distante dos prejuízos sucessivos registados pela banca portuguesa. O nível de crédito malparado ajuda a explicar as diferenças: em 2015 ficou por 3,5% do crédito total concedido em França, ligeiramente acima dos 2% da Alemanha, e muito longe dos 14,4% portugueses. A relativa boa saúde do sector é um factor diferenciador a jogar a favor da segunda maior economia da Zona Euro, que no entanto tem de gerir o risco que resulta dos níveis relativamente elevados de endividamento privado (144% do PIB no final de 2015) e público (62,2% no final de 2015) numa economia que cresce pouco.