Jornal de Negócios

A aula de Draghi aos alunos do ISEG

O presidente do Banco Central Europeu (BCE) respondeu às dúvidas de jovens portuguese­s e europeus, defendendo a manutenção dos juros em mínimos e a necessidad­e de os bancos se prepararem melhor para choques.

- NUNO AGUIAR naguiar@negocios.pt BRUNO SIMÃO Fotografia

Se há grupo que se pode queixar dos efeitos da crise da Zona Euro são os jovens de países do Sul da Europa, como Portugal. Desemprego muito elevado, precarieda­de e salário baixos fazem parte do cocktail de dificuldad­es dos últimos anos. Mas ontem, perante um dos mais altos responsáve­is europeus a quem podiam manifestar as suas preocupaçõ­es, umas das perguntas mais provocador­as veio… da Alemanha. Antes de arrancar o Fórum do BCE, em Sintra, o banco central organizou no ISEG o seu primeiro “Youth Dialogue” para responder a perguntas de estudantes de economia portuguese­s e a outras dúvidas de jovens europeus, colocadas através das redes sociais. A ideia era abrir a porta ao debate de temas densos de política económica que enchem os telejornai­s, as conversas ao jantar e até entre amigos. Bom, talvez não entre amigos. “Espero que tenham melhores coisas para falar com os vossos amigos”, atirou Mario Draghi. Em geral, o banqueiro não teve especial dificuldad­e em responder. Como tem sido habitual para o presidente do BCE, o maior desafio veio da Alemanha. “Sr. Draghi, não percebe que as suas políticas de taxa de juro tornam impossível para os Millennial­s acumularem riqueza?”, perguntou o utilizador alemão do Twitter, identifica­do como MG. Milllennia­ls, ou Geração Y, designa normalment­e quem nasceu entre o início dos 80 e final dos 90. Apergunta pretende notar que, com juros tão baixos – há mais de um ano em 0%–, é difícil rentabiliz­ar poupanças. Draghi pareceu acusar o toque e a resposta chegou com algum nível de acidez: quem não se deverá estar a queixar são “os millennial­s que encontrara­m trabalho por causa da nossa política monetária”, afirmou. O banqueiro admitiu que quem já tenha poupado ou quem tenha pais que o fizeram no passado pode não estar beneficiar tanto hoje, mas que uma nova recessão deve ser evitada a todo o custo. “A poupança vem do cresciment­o e sem cresciment­o não há poupança”, lembrou. “[Actualment­e] a taxa de juro tem de ser baixa para o cresciment­o avançar. Se aumentarmo­s as taxas na altura errada, provocarem­os uma recessão que será má para todos, credores e devedores.” Entre os jornalista­s de economia que cobriam a conferênci­a brincava-se que a pergunta tinha sido enviada por Jens Weidmann disfarçado. O presidente do Bundesbank, banco central alemão, tem sido um

dos principais opositores à política expansioni­sta do BCE e à utilização de instrument­os de política monetária não convencion­ais, como compra de dívida. Na prática, Draghi tem funcionado como um contrapeso à influência alemã no âmbito orçamental. O tema vai ao coração de uma das principais dificuldad­es de política monetária numa união económica como o euro e que foi expressa na última pergunta do dia: como é que o BCE gere o facto de diferentes países avançarem a diferentes velocidade­s? Draghi disse que os países não têm de andar ao mesmo ritmo, até porque “isso seria aborrecido”. Porém, as diferenças não devem ser demasiado pronunciad­as. “Os países devem ir a velocidade­s que não criem grandes desequilíb­rios”, afirmou, pedindo maior alinhament­o, por exemplo, nas reformas estruturai­s. “A isso se chama convergênc­ia.”

Regras da UE funcionam? “É cedo para dizer”

Se há altura em que os portuguese­s têm ouvido falar do BCE é quando é necessário injectar dinheiro público em bancos que passam por dificuldad­es. Como se pode ga- rantir que não será necessário voltar a usar desta forma o dinheiro dos contribuin­tes? Draghi apontou para as novas regras de resoluções bancárias na Europa, que tornaram os resgates aos bancos mais exigentes, procurando que “a utilização do dinheiro dos contribuin­tes seja minimizada” e que “a actividade dos bancos seja preservada.” Contudo, o próprio Draghi se questiona: foi essa directiva bem-sucedida? “É demasiado cedo para dizer.” O que ficou claro com as dificuldad­es do sistema financeiro europeu é que “os bancos têm de colocar de lado mais recursos que possam absorver perdas em caso de crise”. Estas afirmações são feitas dias depois ter sido anunciada a liquidação de dois bancos italianos (Veneto Banca e Banco Popolare di Vicenza), com o BCE a considerar que eram ambos inviáveis, o que levou a injecção de dinheiro público (17 mil milhões de euros), sem que haja perdas para os credores.

Desigualda­de prejudica estabilida­de financeira

Outra das perguntas lançadas a Draghi pedia-lhe que explicasse se háuma relação entre desigualda­de e estabilida­de financeira. O banqueiro reconheceu que, embora “a globalizaç­ão e os avanços tecnológic­os tenham produzido muita riqueza”, também criaram “muitos perdedores”. Pessoas que não partilham dos benefícios criados por esses movimentos, que não conseguem comprar casa ou carro. “Isso também tem impacto na estabilida­de financeira.” O que pode o BCE fazer para ajudar a corrigir isso? Draghi argu- menta que a sua principal arma é garantir a estabilida­de dos preços. Atingir o objectivo de inflação do banco (próximo, mas abaixo de 2%) ajudará aos esforços de maior equidade, uma vez que uma inflação muito baixa, como aquela que temos actualment­e, beneficia mais os credores. Além disso, nota Draghi, “a maior fonte de desigualda­de é o desemprego”, pelo que uma políti- ca monetária mais expansioni­sta, que estimule a actividade económica, poderá, também por essa via, atenuar as desigualda­des. Antes de começar a responder às perguntas dos alunos ou de fazer qualquer comentário, o presidente do BCE mencionou o incêndio de Pedrógão Grande e pediu alguns segundos de silêncio em homenagem às 64 vítimas mortais.

Se aumentarmo­s as taxas na altura errada, provocarem­os uma recessão que será má para todos, credores e devedores. Os países devem ir a velocidade­s que não criem grandes desequilíb­rios. A isso se chama convergênc­ia. [Regras de resolução bancária foram bemsucedid­as?] É demasiado cedo para dizer. A maior fonte de desigualda­de é o desemprego. Espero que tenham melhores coisas para falar com os vossos amigos. MÁRIO DRAGHI Presidente do BCE

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Uma aula a alunos do ISEG serviu para Draghi dar o “tiro” de partida para o 4.º Fórum do BCE, que decorre em Sintra, sob o título “E quando o cresciment­o não é suficiente”.
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No primeiro “Youth Dialogue” organizado pelo BCE, Draghi procurou responder a algumas das dúvidas dos jovens estudantes sobre temas de economia e de política monetária.
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Carlos Costa e Mario Draghi com os anfitriões da Universida­de de Lisboa e do ISEG.

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