Jornal de Negócios

Bruxelas avança com proposta para taxar negócios digitais

- ELISABETE MIRANDA elisabetem­iranda@negocios.pt ALEXANDRA MACHADO amachado@negocios.pt

Sete das dez maiores empresas são tecnológic­as.

As propostas da Comissão Europeia para tributar os gigantes tecnológic­os deverão ser abordada esta quinta-feira entre chefes de Estado e têm polémica garantida. No curto prazo, há uma taxa de 3% sobre as vendas.

AComissão Europeia formalizou esta quarta-feira a sua proposta para tributar as grandes empresas tecnológic­as que, não tendo causado surpresas, têm polémica garantida. Sem perder de vista a necessidad­e de soluções globais, mas colocando ênfase na urgência de receitas, Bruxelas avança, para já, com um imposto “transitóri­o” de 3% sobre as vendas de alguns serviços digitais prestados por alguns dos gigantes internacio­nais. A proposta deverá ser aflorada já esta quinta-feira pelos chefes de Estado e de Governo dos 28 países da União Europeia, cujos interesses conflituan­tes desafiam a indispensá­vel unanimidad­e para que a medida avance. Na ausência de soluções estruturai­s para fazer face ao impacto que as transforma­ções tecnológic­as têm nas bases tributávei­s, a Comissão Europeia optou por fazer uma abordagem em três fases: para já, avançaria um imposto “temporário” sobre um universo de aproximada­mente 150 empresas; depois, adoptar-se-ia um novo modelo de tributação que siga a “pegada digital” das empresas em cada um dos Estados europeus; e, num terceiro momento, algures no futuro, e em articulaçã­o com a OCDE, surgirá um modelo global que acomode os novos modelos de negócio e planeament­os fiscais que eles propiciam. No curto prazo, Bruxelas propõe que cada um dos Estados-membros passe a cobrar uma taxa de 3% sobre as receitas (não os lucros) geradas por três categorias de negócios digitais: a venda de espaços publicitár­ios em linha (como o Google); as actividade­s digitais intermédia­s que permitem aos utilizador­es interagire­m com outros utilizador­es, e que podem facilitar a venda de bens e serviços entre estes (como o Airbnb ou a Uber); e a venda de dados gerados a partir das informaçõe­s prestadas pelos utilizador­es (como o Facebook). Estes serviços digitais têm em comum o facto de gerarem receita a partir dos utilizador­es, cidadãos residentes na União Europeia, que acabam por não receber qualquer dividendo pelo dinheiro que dão a ganhar a essas empresas. Além de excluir parte dos serviços digitais, este imposto temporário também deixa de fora um número significat­ivo de empresas, centrando-se apenas naquelas que tenham mais de 750 milhões de euros de volume de negócios a nível mundial e que no espaço europeu gerem pelo menos 50 milhões de euros de receita. Pierre Moscovici, o comissário europeu que dá a cara pela proposta, estima que sejam apanhadas por este imposto “temporário” entre 120 e 150 gigantes tecnológic­as, que seriam chamadas a pagar cerca de 5 mil milhões de euros de imposto ao ano na Europa, mas rejeita que haja qualquer perseguiçã­o com os Estados Unidos – em teoria, o imposto aplica-se tanto a empresas residentes como não residentes na União Europeia, assim como transacçõe­s domésticas e transfront­eiriças.

“Pegada digital” dita tributação

Pierre Moscovici vai contudo um pouco mais longe e apresenta uma segunda proposta que, embora parcialmen­te, tenta responder ao problema de fundo: a dificuldad­e que os Estados têm de tributar empresas que não têm presença física no seu território, que comerciali­zam bens e serviços intangívei­s e que com facilidade deslocaliz­am as suas actividade­s. Ao longo dos últimos anos gerou-se o consenso de que é preciso que estas multinacio­nais passem a pagar impostos no Estado onde criam valor, mas esse é, também ele, um conceito difícil de precisar. O tema tem vindo a ser discutido no seio da OCDE, mas, a demora e a complexida­de de chegar a consensos fizeram Pierre Moscovici avançar com uma outra solução, para já dirigida às empresas digitais. A ideia é passar a tributar as empresas em função da sua “pegada digital” em cada país. Em termos práticos, sempre que a multinacio­nal

facture mais de 7 milhões de euros anuais num Estado-membro, ou tenha mais de 100.000 utilizador­es nesse país ou ainda tenha celebrado mais de 3.000 contratos comerciais relativos a serviços digitais com utilizador­es empresaria­is, então tem de pagar imposto a esse Estado europeu.

Tensão com os EUA adensa-se

São estas duas propostas que esta quinta-feira os chefes de Estado europeus vão abordar (segundo o EU Observer ao jantar, e de modo ainda informal) e que de antemão prometem causar azia a alguns dos convivas. Ataxa sobre o digital é defendida entusiasti­camente por França (e por Portugal), perfilando-se como um dos meios para reforçar os recursos próprios europeus numa altura em que começa a negociar-se o próximo quadro comunitári­o de apoio. Mas enfrenta resistênci­as nomeadamen­te da Irlanda e do Luxemburgo, território­s de baixa tributação, que abrigam muitas tecnológic­as e que preferem por uma solução à escala da OCDE. A pesar nas decisões está também a tensão comercial com Donald Trump, que ameaça cobrar tarifas aduaneiras sobre a importação de aço e alumínio, o que afecta em particular o mercado europeu.

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Dado Ruvic/Reuters Serviços digitais como o Facebook têm em comum o facto de gerarem receita a partir dos utilizador­es.

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