“Na Polónia, as regras não mudam a cada Orçamento”
Na distribuição, na banca ou nas obras públicas, são várias as empresas portuguesas que já marcam presença na Polónia. Contudo, a advogada Ewa Bento afiança que há espaço para acolher mais investidores.
Ewa Bento diz a frase com ironia, mas também para demonstrar que as empresas portuguesas que apostam no mercado polaco podem contar com um sistema fiscal atractivo e estável: “Ao contrário de Portugal, as regras na Polónia não mudam a cada Orçamento do Estado.” Responsável pelo chamado Polish Desk da Macedo Vitorino & Associados, a advo- gada explica ao Negócios que potencialidades oferece e que desafios representa o mercado daquele país para os empresários nacionais. Que mais-valias pode o mercado polaco oferecer aos empresários portugueses? O mercado polaco está em crescimento. Nos últimos 25 anos, a economia cresceu 20%. Mesmo no auge da recente crise, em 2009, quando outros países-membros da União Europeia reportaram valores negativos, conseguimos ter um aumento do Produto Interno Bruto de 1,8%. Mantemos essa tendência positiva desde então. Além do mais, este é um mercado com 38,5 milhões de consumidores, pelo que tem, naturalmente, muito potencial. Além do retalho e da banca, em que outras áreas há investimento português na Polónia? Neste momento, há 146 empre- sas portuguesas com presença na Polónia e nos mais diferentes sectores. Algumas destas empresas são grandes “players” no nosso mercado. A Jerónimo Martins é a maior empresa na área da distribuição. Está presente no nosso país há muito tempo. No sector da banca, é o Millennium que marca presença; enquanto no da construção é a Mota-Engil. Em que sectores da economia polaca há ainda espaço para as
empresas portuguesas entrarem? Entre os 28 Estados-membros, a Polónia é a maior beneficiária dos fundos da União Europeia. Para o período entre 2014 e 2020 foram aprovados quase 106 mil milhões de euros em fundos comunitários para a Polónia. Uma importante fatia deste bolo vai para infra-estruturas e as empresas portuguesas têm competências e experiência neste ramo, pelo que várias estão a trabalhar localmente. Há também muitas empresas na área da saúde ou na indústria alimentar. Neste último caso, à “boleia” da Jerónimo Martins? Também, claro. Mas importa dizer que o consumidor polaco está cada vez mais exigente e quer consumir bons produtos. Entre estes está o vinho português. As exportações de vinho português para a Polónia aumentaram cerca de três ou quatro vezes nos últimos anos. Houve também um aumento das exportações de azeite. Que incentivos existem na Polónia para atrair investimento externo, nomeadamente português? Na Polónia, temos um sistema fiscal atractivo e estável, que funciona para atrair os investidores estrangeiros. Estabilidade em que Portugal não é propriamente exemplo... Ao contrário de Portugal [risos], as regras na Polónia não mudam a cada Orçamento do Estado. Na Polónia, há uma taxa fixa de IRC de 19%, que é bastante competitiva; temos diversos incentivos relacionados com os fundos estruturais e programas do Governo; temos 14 zonas económicas especiais que oferecem isenções, que oferecem outro tipo de ajuda para investidores; os custos de produção são bastante competitivos. Além disso, temos recursos humanos com uma formação elevada. Esses são os principais incentivos... Também há desafios, embora com um parceiro local, com alguém que conhece as regras do mercado e cultura do mercado, esses desafios sejam muito fáceis de ultrapassar. Tendo em conta o cenário que referiu, quando os empresários polacos chegam a Portugal, do que é que se queixam mais? Os problemas têm sobretudo que ver com formalidades, com burocracias, com o facto de esquecerem alguma coisa porque não é exigida na Polónia. Aí há algo que pode correr mal. Já aconteceu alguns clientes recorrerem aos nossos serviços por essas razões. Os polacos vêm para Portugal com muita tolerância para os costumes locais, para com a cultura local. É essencial respeitar a cultura local. Há muitas empresas da Polónia a apostar em Portugal? Há cada vez mais pessoas e empresas da Polónia interessadas em Portugal. Quais são áreas em que estão a investir? Os polacos estão a investir, nomeadamente, no sector imobiliário e em unidades hoteleiras. Os preços do imobiliário em Portugal têm subido, mas ainda são competitivos. Depois, o clima também ajuda. Ultimamente, o número de voos da Polónia para Portugal aumentou consideravelmente. Não temos apenas ligações de Varsóvia para Lisboa, temos voos directos de todas as principais cidades polacas, como Cracóvia, Poznan, Gdansk ou Katowice, para os principais aeroportos portugueses. As instituições europeias têm criticado algumas das iniciativas políticas, nomeadamente na área da justiça, tomadas pelo actual Governo polaco. A advogada Ewa Bento, da Macedo Vitorino & Associados, onde é líder do grupo de trabalho vocacionada para as relações económicas com a Polónia, admite que o tema é motivo de conversa com clientes, mas sublinha que relativamente às empresas que apostam naquele país do Leste europeu nada deverá mudar. “Os políticos polacos não esquecem a importância do investimento estrangeiro”, afiança. Que papel cabe ao advogado quando intervém no apoio às empresas polacas que investem em Portugal e às portuguesas na Polónia? De que forma as ajuda? É um intermediário? Muitas vezes o advogado pode funcionar como intermediário, mas acho que o importante quando entramos num mercado estrangeiro – tanto os portugueses na Polónia, como os polacos em Portugal – é termos um parceiro local. Por que razão é importante ter um parceiro local? Porque o importante não são apenas as leis, que os advogados ajudam a compreender. São também importantes a realidade cultural e os hábitos de cada mercado. Além disso, hoje em dia, o quadro legal de cada um dos Estados-membros da União Europeia tem muito que ver com o que provém de Bruxelas. Embora as leis sejam importantes, a verdade é que hoje em dia estamos na União Europeia e muitas das nossas leis são harmonizadas. Em todo o caso, apesar de a estrutura jurídica das empresas ser muito semelhante, vale a pena ter o apoio de um advogado local que nos ajude a entrar no mercado e nos primeiros negócios. Na Polónia, o grande apoio para os investidores portugueses é também a Câmara de Comércio Luso-Polaca, que está em Varsóvia. As instituições europeias têm contestado algumas iniciativas políticas levadas a cabo pela autoridades polacas. Essa realidade pode afectar o investimento externo no país? Acredito que não haverá alterações. Todos os indicadores económicos mostram que a situação política não afecta o investimento. Claro que as questões económicas têm muito que ver com a política, mas também os políticos polacos não esquecem a importância do investimento estrangeiro. Mas obviamente este é um tema de conversas quer entre advogados, quer com os clientes.
“Políticos não esquecem importância do investimento” Todos os indicadores económicos na Polónia mostram que a situação política não afecta o investimento.