Como José Sócrates está a prejudicar António Costa
José Sócrates regressou. Desta vez para falar na Academia. O tema era a crise, a forma como a Europa lidou com ela e o futuro. Pelo que se sabe da intervenção, Sócrates usou o palco para fazer aquilo em que se tornou useiro e vezeiro: glorificar a sua atuação enquanto primeiro-ministro (só ele é que falava de modernidade...) e condenar a forma como o “establishment” europeu lidou com a crise financeira. Sócrates não fica a dever muito à inteligência. Mas é suficientemente esperto para saber os disparates que fez. Os que conhecemos... e os que não conhecemos (mas que estão a ser destapados pelas autoridades judiciárias). E, por isso, sabe perfeitamente que foi a sua política financeira que levou o país a ficar sem crédito nos mercados. Daí à chamada da troika, pelo seu ministro das Finanças, foi um passo. O que leva Sócrates a insistir numa narrativa em que até o seu próprio parti- do não acredita (veja-se que o atual governo tem feito exatamente o contrário do que ele propõe)? Em primeiro lugar, Sócrates não gosta de ser associado a fracassos: quando o ouvimos falar do seu trabalho como primeiro-ministro nunca admite uma falha. Em segundo lugar, ao não admitir ser o pai da pré-bancarrota está a olhar para o futuro. Para novos voos políticos, provavelmente como candidato à Presidência da República (aquilo que se preparava para fazer quando foi detido). Ora admitir que a pré-bancarrota de 2011 foi da sua responsabilidade seria meio caminho andado para acabar destroçado pelos concorrentes. O problema é que a estratégia de Sócrates penaliza o país. Não a nível externo (os mercados têm premiado a política financeira de contenção financeira – com cativações, é certo – de António Costa), mas a nível externo. Porquê? Porque ao dizer que a política financeira que seguiu de 2009 a 2011 estava certa, está a passar a mensagem errada: está a sugerir ao eleitorado que não há problema em repetir a aventura que colocou Portugal à beira do abismo. O leitor dirá que poucos o levam a sério. Talvez. Mas há mais gente a passar a mesma mensagem. E não é apenas João Galamba. Há uma semana, num debate na RTP3, Ricardo Paes Mamede dizia a Ricardo Arroja que a dívida pública portuguesa se deve não aos défices orçamentais dos últimos anos, mas... aos apoios à banca. Este discurso, além de ser de uma desonestidade intelectual (ainda para mais num académico), não é exclusivo de Mamede. Os dirigentes do Bloco de Esquerda e do PCP alinham pelo mesmo diapasão. Mas há outra faceta (muito importante), no discurso de Sócrates, que é prejudicial para o país: o seu discurso dá (intencionalmente) força aos que no PS discordam de António Costa e Mário Centeno. E que defendem que se pode voltar a gastar acima das possibilidades. Ora não podia haver pior contributo para o debate sobre o futuro de Portugal do que defender a ideia de que não há problema em repetir a política orçamental de 2009 a 2011. Até porque estamos num momento crucial: as eleições legislativas são já em 2019 e o debate sobre o que deve ser o Orçamento do próximo ano já começou. Veja-se as reivindicações do Bloco de Esquerda e PCP, assim como das corporações que enxameiam a sociedade portuguesa (médicos, enfermeiros, professores, juízes, guardas prisionais...). Todas com um único sentido: aumentar a despesa