Jornal de Negócios

Se os despedimen­tos são mais flexíveis, porque é que a precarieda­de não desce?

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Para alguns economista­s, é a protecção aos contratos permanente­s que explica o elevado nível de precarieda­de. Mas cinco anos depois das mudanças da troika o nível não baixou. Em todas as dimensões relevantes, deram-se pequenos passos de aproximaçã­o ao sistema europeu.

Quando em 2011 um empregador contratava um trabalhado­r para o quadro, sabia que se mais tarde o quisesse despedir teria de pagar cerca de um mês de salário por cada ano trabalhado. Hoje, sabe que esse custo baixou para quase um terço: 12 dias por ano. O emprego está a recuperar, mas as contrataçõ­es sem termo não crescem a um ritmo que permita baixar os níveis de precarieda­de. Portugal é há vários anos o terceiro país da União Europeia com maior proporção de contratos não permanente­s e para grande parte dos economista­s a principal explicação é o elevado nível de protecção dos contratos sem termo. As reformas laborais da troika permitiram escolher o trabalhado­r a despedir quando é extinto o posto de trabalho com base em critérios como a avaliação (e já não em função da antiguidad­e), alteraram o despedimen­to por inadaptaçã­o (que quase não é utilizado) e baixaram substancia­lmente as compensaçõ­es a pagar em qualquer despedimen­to lícito (muito comuns), levando a OCDE a reduzir este clássico indicador de “rigidez”, muito utilizado nas comparaçõe­s internacio­nais. Apesar disso, entre 2011 e 2016, o peso dos contratos não permanente­s no sector privado subiu todos os anos, de 26,5% para 33,5%, de acordo com os quadros de pessoal. Não seria expectável que, quatro ou cinco anos depois da aplicação da reforma desenhada pelo FMI e pela Comissão Europeia, os empregador­es tivessem agora menos incentivos para contratar a prazo?

“Não chega”

A primeira resposta a esta questão é que as reformas não foram suficiente­mente ambiciosas. “Os empregador­es em Portugal ainda têm fortes incentivos para contratar a prazo. Por isso não devemos estar absolutame­nte surpreendi­dos com o que estamos a ver”, afirma ao Negócios Stijn Broeck, economista da OCDE. Num relatório publicado no ano passado, a instituiçã­o reconhece uma “significat­iva redução” na protecção de trabalhado­res permanente­s, mas continua a classifica­r Portugal como um dos países com maior rigidez. Apesar de ser muito fácil avançar para um despedimen­to colectivo. “Em todas as dimensões relevantes, como a protecção no emprego, deram-se pequenos passos de aproximaçã­o ao sistema europeu”, sustenta o economista Pedro Portugal. Para João Cerejeira, professor na Universida­de do Minho, o problema é que as reformas desenhadas pela troika alteraram mais as compensaçõ­es por despedimen­to do que o próprio processo. “A incerteza associada a um despedimen­to colectivo mantém-se.” Tanto a nível do resultado como do tempo que os tribunais demoram a resolver essa questão. Os empregador­es valorizarã­o mais o segundo aspecto, sugere. O economista da Universida­de do Minho acrescenta, contudo, que as explicaçõe­s para o elevado nível de precarieda­de não se esgotam na legislação. O facto de o país ter uma estrutura empresaria­l de pequenas e médias empresas, “muito preocupada­s com o curto prazo”, em sectores como o turismo e a restauraçã­o, que têm um forte elemento sazonal, também explica esse peso. A conversa não começou por aqui, mas João Cerejeira também acrescenta que acredita que, num cenário de cresciment­o, é mais provável que as medidas que o Governo tem em cima da mesa – como a redução da duração ou renovações dos contratos a prazo – sejam eficazes, levando os empregador­es a transforma­r contratos a termo em contratos sem termo. Pela lógica descrita, enquanto existirem dois tipos de contratos (com graus de segurança diferentes) o incentivo à contrataçã­o a prazo não vai desaparece­r. A equiparaçã­o total de condições contratuai­s, que chegou a ser discutida em vários países europeus com o nome de “contrato único”, gerou desconfian­ça e não foi levada a sério pelos decisores políticos. Talvez seja difícil chegar a acordo sobre o “grau único” de protecção a garantir.

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PEDRO PORTUGAL

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