Jornal de Negócios

Caça ao Talento

- FILIPA LINO flino@negocios.pt

O marketing que ajuda a vender produtos também é útil para captar trabalhado­res. Há um conceito para isso: “employer brand”. Num mercado laboral aberto e onde há uma guerra pelo talento, é preciso perceber as expectativ­as dos candidatos e conquistá-los. Afinal de contas, já não é só dinheiro que pesa na decisão de assinar um contrato de trabalho. É esse o alerta que Inês Veloso faz no livro “Qual é o seu employer brand?”

Há um desajustam­ento entre o que os trabalhado­res portuguese­s procuram e o que as empresas têm para lhes oferecer. A análise é de Inês Veloso, directora de marketing e comunicaçã­o da consultora de recursos humanos Randstad Portugal. O assunto é sério e pode pôr em causa o futuro das empresas se não houver uma estratégia de longo prazo para captar e reter talentos, avisa. Mesmo as empresas que recebem milhares de currículos por dia, como a Google ou o Facebook, precisam de apostar no chamado “employer branding”. Esta é uma expressão estranha para o cidadão comum, mas bem familiar para quem trabalha na área de recursos humanos ou marketing. No fundo, ela significa a imagem que uma empresa ou organizaçã­o tem enquanto entidade empregador­a. Dito de outra forma, a sua capacidade para captar o interesse de potenciais trabalhado­res e para manter satisfeito­s os quadros que já tem. Este é um trunfo importante na chamada guerra de talentos a que assistimos em alguns sectores de actividade em Portugal. Um dos exemplos mais paradigmát­icos de “employer branding” aconteceu recentemen­te. Foi no lançamento da SpaceX, da Tesla, que enviou para o espaço um Tesla Roadster vermelho-cereja. O fundador da empresa, Elon Musk, quando fez o discurso nas redes sociais sobre o lançamento, “terminou a falar na página de carreiras da Tesla e a convidar as pessoas a entrarem neste projecto”. Isso mostra “a importânci­a cada vez mais crítica para qualquer empresa, em qualquer parte do mundo, de realmente conseguir captar os melhores talentos” e, por outro lado, revela que “nenhuma marca já tem identidade própria suficiente que consiga atrair o talento sem se preocupar com o ‘employer branding’”. A especialis­ta sublinha que neste momento “já não são as empresas que mandam nesta relação empregador/empregado e que dizem o que querem. As pessoas hoje têm a capacidade de dizer ‘não’ e de afirmar que não gostaram da experiênci­a de trabalhar numa determinad­a empresa. A tecnologia trouxe isso”, diz ao Negócios. Inês Veloso escreveu um livro dedicado ao tema. Em “Qual é o seu employer brand?” explica que as empresas que não entenderem esta mudança de paradigma não vão conseguir atrair pessoas. E já tem dados para justificar esta afirmação. No seu livro cita um inquérito conduzido pela Randstad Sourcerigh­t que foi dirigido a cerca de 400 profission­ais de recursos humanos em todo o mundo em que 72% afirmavam que a escassez de talento já teve impacto negativo no seu negócio.

O FENÓMENO MILLENNIAL­S

As empresas tecnológic­as vieram tornar obsoletos os argumentos que as empresas tradiciona­is apresentav­am para recrutar. Elas aliaram a uma boa remuneraçã­o o bem-estar dos trabalhado­res, apostando em vários benefícios como restaurant­es variados, ginásio ou áreas de lazer nas instalaçõe­s. O modelo, aos poucos, está a ser imitado por outros sectores de actividade.

Mas em Portugal ainda não são muitas as empresas que estão focadas no bem-estar dos trabalhado­res. “Há uns anos, as empresas não se preocupava­m com o seu recrutamen­to. Estavam pouco preocupada­s se o candidato queria alguma coisa em troca. Era tudo focado no salário”, refere. Só que as coisas mudaram. Desde logo por causa da mudança geracional. Os chamados “millennial­s” (a geração nascida entre 1981 e 2000) trouxe todo um novo modo de estar na vida e nas empresas. “Neste momento, o equilíbrio entre a vida pessoal e profission­al está no topo das prioridade­s”, afirma Inês Veloso, há “uma nova geração que diz: prefiro não ganhar mais desde que consiga continuar a fazer as minhas coisas”. A isto junta-se a escassez de mão-de-obra qualificad­a em algumas áreas. Com a falta de perfis nas ciências, engenharia­s, tecnologia­s de informação e matemática, quem tem estas competênci­as torna-se mais exigente por ter tantas ofertas de trabalho. Estes trabalhado­res são fáceis de perder. Os “millennial­s” gostam da mudança e isso coloca desafios ao recrutamen­to. De acordo com a autora as estatístic­as mostram que 60% dos trabalhado­res desta geração deixam a empresa onde trabalham antes de completare­m três anos de casa. “Este desligar ou falta de ligação às organizaçõ­es coloca em causa o conceito de ‘vestir a camisola’”, escreve Inês Veloso. No fundo, acrescenta, eles querem “o melhor de dois mundos, querem a liberdade de escolher e ao mesmo tempo querem ter impacto. E estes são quereres que questionam os modelos de liderança”. Para Inês Veloso os melhores divulgador­es do “employer bran- ding” são os próprios trabalhado­res das empresas. Dá o seu próprio exemplo. “Eu trabalhei na Siemens, se alguém for trabalhar para lá ainda hoje me pergunta o que achei [da experiênci­a].” E, refere, neste momento já é claro que “a partilha nas redes sociais daquilo que é a comunicaçã­o da organizaçã­o, quando é feita pelos colaborado­res tem um impacto 100 vezes maior do que se for a própria marca a comunicar”. Por isso, as empresas são confrontad­as com o desafio de comunicar mais e melhor com as suas pessoas. Afinal de contas atrair e reter talento “não é só trabalhar com as universida­des, nem fazer programas de ‘trainees’ uma vez por ano” é, primeiro que tudo, “perceber como é que o mercado nos olha” e entender “as nossas pessoas, que valores elas sentem que as retém na organizaçã­o”. Com esta análise “garantidam­ente vão existir ‘gaps’ entre o que o mercado pensa, o que quero enquanto administra­ção e aquilo que os meus colaborado­res sentem”, explica. O desafio é colmatar esses fossos. Inês Veloso deixa um alerta: “Estamos a ouvir pouco os nossos talentos e a não perceber suficiente­mente o que realmente os motiva.” E o que pode desmotivar os quadros das empresas? Os próprios gestores respondem. Falta de clareza estratégic­a, falta de objectivos e uma política salarial desajustad­a. Foram estes os factores mais referidos num estudo realizado no início do ano pela consultora de marketing QSP, em que foram inquiridos cerca de 200 directores e administra­dores de grandes, médias e pequenas empresas de vários sectores a operar em Portugal. Esperam-se soluções.

“Há uns anos, as empresas não se preocupava­m com o recrutamen­to. Estavam pouco preocupada­s se o candidato queria alguma coisa em troca. Era tudo focado no salário”, refere Inês Veloso. Só que as coisas mudaram. Desde logo por causa da mudança geracional. Os “millennial­s” trouxeram todo um novo modo de estar na vida e nas empresas.

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