Jornal de Negócios

Saltar à corda com os anos da incompreen­são

- WILSON LEDO

Nos diários da nossa adolescênc­ia, os problemas e os receios eram uma constante. Mudava tanto em tão pouco tempo. Era uma autêntica Montanha-Russa. Como esta, naturalmen­te musical, que agora se instala em palco.

“Esta é a canção da primeira vez” que andámos de Montanha-Russa. Sem cinto apertado. Prontos a cair nos tempos da adolescênc­ia, ser explorador­es urbanos, saltar à corda, dançar a valsa dos incompreen­didos, comer pizza de madrugada ou jogar minigolfe. Fizemos tudo isto sem sair do lugar. A viagem vai-se traçando entre os anos 1970 e os nossos dias, da vida sem liberdade à experiênci­a partilhada em directo nas redes sociais. As preocupaçõ­es da adolescênc­ia, apesar destes saltos temporais à mostra num gigante relógio, são uma constante. Reflexo de um processo que Inês Barahona e Miguel Fragata começaram há mais de um ano, com a recolha de diários. O caminho acabou por ser o da ficção, sem deixar de integrar elementos e episódios da pesquisa. Quatro histórias guiam-nos a Ciclone, uma montanha-russa que passou por Lisboa, Berlim e Lima. As ligações entre as personagen­s vão-se desvendand­o devagar, de forma natural, em detalhes como uma medalhinha da Senhora da Assunção ou a queda do Muro de Berlim. Não há vertigens nesta deslocação por diferentes estados de alma. Os problemas são os típicos da adolescênc­ia, apresentad­os com urgência e novidade. De algum modo, todos nós já passamos por aquela etapa. Voltamos, agora, a passar nesta Montanha-Russa, metáfora clara desses dias passados. Vemos, rimos, relativiza­mos. Anabela Almeida, Carla Galvão e Miguel Fragata são os cúmplices dos adultos neste jogo de aparências e essências. Já Bernardo Lobo Faria, por estar ainda próximo da adolescênc­ia, acaba por ser um aliado dos mais novos. À sua personagem, de uma forma intenciona­l, falta uma certa profundida­de. Porque, conclui-se, este rapaz ainda não teve tempo para reflectir sobre esses anos em que tudo “é velório ou carnaval”. Sai-se desta Montanha-Russa com uma sensação de bem-estar, sem “a alma do avesso” ou o “corpo noutro endereço”. É tudo embalado na música de Hélder Gonçalves e na voz de Manuela Azevedo – ambos dos Clã, lembre-se. A banda em palco e a sua música acabam por funcionar como uma figura paternal, sem conflito, antes apaziguado­ra das ansiedades normais de quando se é jovem. Com uns certos despiques à mistura, obviamente. Tudo se mantém simples: do texto ao movimento, passando pela iluminação ou pelo cenário. E, é por isso, que a mensagem passa de uma forma tão bonita. Fomos felizes nesses tempos, por muito que a tendência natural seja negá-lo. Ao nosso jeito, subimos 26 metros, até ao topo da Ciclone, vivemos a tempestade do desconheci­do a partir do seu epicentro. A nossa voz mudou, o nosso corpo mudou, as nossas paixões passaram. Debruçámo-nos para o abismo, por mais que nos dissessem para não o fazer. E foi espectacul­ar!

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Fi l i pe Ferrei ra

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